Resumo
La Rioja é uma pequena região localizada no centro-norte da
Península Ibérica. Desde tempos imemoriais, este território foi se
tornando, propiciado pelas condições naturais da região, um espaço
de passagem e de encontro de povos diversos, constituindo-se como
terra de fronteira, não só geográfica, mas sobretudo cultural. Este
artigo busca apresentar a inserção do cristianismo neste espaço, e
em profunda articulação com ele, a partir do século III, e sua
consolidação sob domínio visigodo, entre os séculos VI e VII.
Palavras chaves
Cristianismo – Reino visigodo - La Rioja |
|
Abstract
La Rioja is a small area located in the center-north of the Iberian
Peninsula. Since immemorial times, this territory was been becoming,
propitiated by the natural conditions of the area, a space of
passage and of encounter of several people, being constituted as
border earth, not only geographical, but above all cultural. This
article presents the insert of the Christianity in this space, and
in deep articulation with it, since the century III, and its
consolidation under Visigothic domain, among the centuries VI and
VII.
Terms:
Cristianity – Visigotic Kingdom – La Rioja |
Introdução
La
Rioja é uma pequena região, com cerca de 5.000 Km2, localizada no
centro-norte da Península Ibérica em uma zona de transição geográfica devido
a presença a oeste do Sistema Ibérico - conjunto de montanhas chegando a
mais de 2.000 m, - e a leste da Depressão Ibérica - região de planície.
Esta configuração do relevo faz a região assemelhar-se a uma grande "...
ladera inclinada..." (Otero Pedrayo, 1955: 342), visto que as cordilheiras
montanhosas do Sistema Ibérico, tais como os Montes Oca, a Serra da Demanda
e o Moncayo, descendem como um plano inclinado em direção ao Rio Ebro.
Devido às diferenças geográficas desta região, costuma-se dividi-la em La
Rioja Alta, mais ocidental, e La Rioja Baixa, mais oriental1.
A região montanhosa, La Rioja Alta, apresenta, além dos altos
maciços montanhosos, muitos outros acidentes de menor relevo. Entre estes,
existem vários vales, com relativa extensão, cortados por correntes e saltos
d'água que recebem os degelos das altas serras. Nestes vales encontramos os
rios Tirón, Oja, Najerilla e Iregua Em alguns núcleos montanhosos são
freqüentes as cavernas 2, devido a ação da chuva e do vento, e as
colinas talhadas de rochas, excelentes para sustentar grandes construções,
como os mosteiros que durante a Idade Média se estabeleceram no local. As
montanhas, com suas cavernas e rochas, foram importantes espaços de refúgio
e defesa natural para os povos que ali se assentaram. A vegetação é variada,
formando principalmente bosques.
Segundo aponta
Valdivieso Ovejero, La Rioja Alta "... fue en la antigüedad, y sigue
siéndolo aún hoy, una de las zonas más ricas en bosques de toda la Península
Ibérica" (1985: 220).
Quanto ao clima,
nesta região é frio e úmido.
La
Rioja Baixa é fundamentalmente uma região de planície, porém ali também
encontram-se serras como os Cameros Viejo e Nuevo. Está marcada
principalmente pela presença do Rio Ebro, bem como pelos vales dos rios
Leza, Cidacos e Alhama, que alimentam a região tornando-a propícia para a
agricultura. Quanto ao clima, é seco e temperado, semelhante ao do
Mediterrâneo.
No que se refere aos recursos minerais, aponta Cortázar que
esta região possuía "... un equilibrado balance de aptitudes productivas
agrícolas y ganaderas, incluida la madera, pero resulta deficitaria de la
sal y sólo obtiene hierro a un alto costo, lo que hace praticamente inviable
su produción."
(1975:11). Assim, a grande maioria destes produtos provinham
de outras regiões da Península. No tocante à fauna riojana, há notícias da
presença, desde a antigüidade, de onças, martas, lobos, aves variadas -
inclusive de rapina -, coelhos e perdizes, dentre diversos outros,
principalmente nas áreas montanhosas. Nos rios eram encontrados peixes,
especialmente trutas. Estas riquezas e variedade de animais propiciaram aos
povos que se assentaram na região uma constante opção alimentar proveniente
da caça e da pesca.
Estes traços naturais podem ser constatados pela toponímia riojana medieval,
que incorporou nomes que indicavam acidentes ou particularidades do terreno,
como nos casos de Cuesta, Cuevas e Pedroso 3,
ou animais, como em Cervera e Lobera 4, e
ainda com o nome de plantas e vegetação em geral, como Castañares e
Pradillos 5.
A configuração geográfica riojana faz com que a área
possua vias naturais de comunicação, tanto pelo eixo leste-oeste, através
dos vales dos rios que cortam a planície e as montanhas, quanto pelo eixo
norte-sul, seguindo o curso do Rio Ebro.
As características naturais tão diversificadas da região
riojana foram, sem dúvida, um fator importante na sua configuração como
espaço de fronteira. A fertilidade do solo, as vias de comunicação, a
riqueza da flora e fauna, a hidrografia, as defesas naturais foram, dentre
outros fatores, elementos de atração para diversos grupos humanos que, desde
o período pré-histórico 6, ali se assentaram ou utilizaram a
região como caminho de passagem.
Assinala Diaz
y Diaz, que "... la riqueza de la región, ... los caminos naturales que la
cruzaban fueron haciendo de la Rioja una región apetecible para los pueblos
de la montaña en un caso, o para las gentes de zonas más abiertas e
indefensas en otro" (1991:11).
Assim, a região de La Rioja foi ocupada ainda bem cedo por povos
indoeuropeus, como os berones; celtas, como os pelendones; e vascos. Sem
dúvida, a presença humana neste território foi facilitada pelas vias
naturais de penetração, bem como pela existência de recursos naturais que
garantiam a alimentação, o refúgio e a defesa. Porém, mais do que atrair
povoadores, nesta área foram se instalando redes de contato entre as mais
diversas áreas peninsulares, consolidadas, principalmente, com a chegada dos
romanos e o estabelecimento de suas vias. Neste sentido, desde tempos
imemoriais, La Rioja foi se tornando, propiciado pelas condições naturais da
região, um espaço de passagem e de encontro de povos diversos,
constituindo-se como terra de fronteira, não só geográfica, mas sobretudo
cultural.
É
neste espaço, e em profunda articulação com ele, que o cristianismo irá
inserir-se a partir do século III, porém só consolidando-se sob domínio
visigodo, entre os séculos VI e VII. O objetivo deste artigo é justamente
analisar a reação e a resistência dos povos pré-romanos ao cristianismo e o
posterior impacto, na cristianização e na organização da Igreja riojana, da
chegada e assentamento dos visigodos.
1.
As bases cristãs
Não
se sabe ao certo como e quando La Rioja começou a ser cristianizada.
Acredita-se que a cristianização desta região ocorreu a partir do Norte da
África, por meio da via XXXII 7, já que os municípios riojanos
nos quais foram encontradas as primeiras e maiores referências cristãs -
Graccuris, Calagurris e Tritium – 8 localizavam-se próximos a
este caminho. Tal como em outras áreas do Império Romano, a cristianização
de La Rioja está relacionada diretamente à romanização, fenômeno cultural
iniciado neste território, de forma efetiva, no decorrer do I séc. d.C..
Neste sentido, foram introduzidos a administração, as instituições, a
arquitetura, o direito, a língua e os costumes romanos que, pouco a pouco,
foram suplantando, sobrepondo-se ou mesclando-se às tradições locais, de
origem celta, celtíbera ou vasca. A inserção da romanização em la Rioja foi
facilitada pela presença de vias construídas pelo homem e de acessos
naturais, especialmente a navegação pelo Rio Ebro, que permitiu a entrada
e o trânsito de milhares de pessoas, como soldados, funcionários,
comerciantes, cobradores de impostos etc , que por ali circularam, alguns
chegando, inclusive, ao assentamento, trazendo as práticas culturais de suas
áreas de origem 9.
A
urbanização foi um elemento fundamental de romanização. Apesar do número de
cidades em La Rioja romana ter sido pequeno e estas encontrarem-se distantes
umas das outras, estas concentravam-se no vale do Ebro, contrastando com as
regiões montanhosas, nas quais o número de cidades era menor, que se
mantendo como região rural por excelência e refúgio dos povos pré-romanos.
Este dado é fundamental para compreendermos os diferentes graus de
romanização em La Rioja: na planície e nos vales ocorreu mais cedo e de
forma mais profunda. Já nas regiões mais montanhosas e com a presença de
poucas cidades, a romanização deu-se de forma mais tardia e superficial.
Além de reunir elementos de ordem material que facilitaram a expansão cristã
em La Rioja, a romanização também deixou marcas no campo da religiosidade e
da religião 10, propiciando, posteriormente, uma melhor aceitação
de princípios doutrinais do credo cristão, tais como a humanização das
forças cósmicas e das divindades abstratas, que passaram a ser
representadas com características humanas.
A
anexação de La Rioja ao Império Romano também facilitou a chegada e inserção
de cultos orientais, principalmente de mistério, que difundiam as crenças
sobre a vida eterna garantida por deuses que venceram a morte e que
mantinham uma relação íntima com os seus adoradores. Contudo, é importante
ressaltar que a recepção dos povos indígenas a tais cultos e crenças não foi
automática. Como aponta Saiz Ripa, "... a veces los ritos y creencias
ancestrales sólo cambian de nombre o de representación plástica" (1994:32),
levando ao desenvolvimento do sincretismo. Ou seja, ocorreu uma seleção,
apreensão e incorporação, às religiões tradicionais, de certos aspectos das
religiões e religiosidades romano-helenísticas que foram introduzidas na
região com a conquista romana.
A
difusão do cristianismo por toda La Rioja verificou-se paulatinamente. Por
volta do século III e IV encontramos sinais da presença cristã até a altura
do rio Najerilla. Foram encontradas cerâmicas cristãs datadas do III e IV
século em Nájera e um sarcófago em San Millan, que atesta, inclusive, a
existência de cristãos ricos. Devido ao seu assentamento no vale do Ebro,
há indícios de que os grupos vascos riojanos também já se encontravam
cristianizados desde o século III (Saínz Ripa, 1994: 37-42). Entretanto, o
processo de cristianização de toda a região foi lento e não suplantou, de
forma total, as práticas e crenças pagãs pelo menos até o século X
(Valdivieso Overejo, 1985: 227).
Em
relação direta com a romanização, podemos também constatar diferentes níveis
de cristianização em La Rioja, onde as vias secundárias e a região
montanhosa foram alvo efetivo da mensagem cristã somente a partir do V
século, ou seja, tardiamente face às regiões próximas ao vale do Rio Ebro
(Jedin, 1990: 543). Apesar da presença de tantos caminhos que cruzavam La
Rioja, Valdivieso Ovejero ressalta que "...las vías romanas más que cruzar
circundaban la zona, dejando a la mayor parte de la población perdida entre
las montañas o los claros de los bosques"(Valdivieso Overejo, 1985: 17),
limitando, assim, a penetração efetiva da romanização e, por extensão, do
cristianismo nesta área.
2.
O nascimento do bispado de Calahorra
Calagurris 11 foi, provavelmente, a primeira e a mais
cristianizada das cidades riojanas. Ali foram martirizados os soldados
Emetério e Celedônio, em fins do século III, e no concílio de Elvira, o
primeiro com dimensão peninsular, realizado no início do IV século, um
representante desta igreja esteve presente (Jedin, 1990: 543).
Pela importância demográfica e estratégica desta cidade e pela antigüidade
de sua cristianização, Sáinz Ripa acredita que esta abrigou um bispado
décadas antes da era constantiniana (1994: 43, 65-66). Este autor apresenta
alguns argumentos para fundamentar sua hipótese.
Em
primeiro lugar, afirma que era prática corrente, então, criar bispados em
capitais de dioceses, de províncias ou de conventos jurídicos, bem como nas
cidades de maior população, como era o caso de Calahorra, a mais romanizada
das cidades riojanas.
Em
segundo lugar, ao elaborar seu hino em louvor aos mártires Emetério e
Celedônio, em meados do século IV, Prudêncio faz referência à construção de
um batistério no Areal, próximo ao lugar em que os soldados foram
sacrificados nesta cidade. Segundo a Tradição Apostólica de Hipólito
de Roma (capítulos 42 a 54), sabemos que o batismo só poderia ser realizado
na presença de um bispo. O autor conclui, portanto, que onde se encontrava
um batistério, deveria haver um bispo.
Em terceiro lugar, este historiador argumenta que a
instabilidade instaurada desde o século III na região, devido as incursões
e, posteriormente, invasões germânicas, não era propícia ao surgimento de
novas dioceses. Além disso, o XII Concílio de Toledo, realizado em 681,
proibiu a criação de novos bispados.
O autor
conclui que "... las dioceses existentes en Hispania en tiempo de los
visigodos tuvieron su origen en los tiempos anteriores a Constantino "(1994:
65).
E, portanto, dentre estas, encontrava-se a de Calagurris.
O
bispado de Calagurris tornou-se, desde o século IV, sufragâneo da Metrópole
Eclesiástica de Tarragona, já que a organização eclesial seguiu a divisão
administrativa do Império realizada pelo Imperador Diocleciano, momento em
que La Rioja passou a fazer parte da Província Tarraconense 12.
3. O cristianismo hispano-visigodo em La Rioja
Segundo Sáinz Ripa, "... con la llegada de los pueblos godos,
las ciudades romanizadas del Ebro medio y alto quedan bajo un completo
silencio historico" (1994: 78).
Isto é, não
possuímos notícias literárias provenientes diretamente de La Rioja durante
grande parte da Antigüidade Tardia. Este dado explica-se pela instabilidade
que se instaurou nesta região desde o III século, quando francos e alamanos
realizaram incursões no nordeste da Península Ibérica, chegando até o vale
do Ebro.
Para reconstruirmos o cristianismo hispano-visigodo em La Rioja contamos com
poucas fontes, tais como o relato de escritores hispanos - como Isidoro de
Sevilha - , atas de concílios, correspondência episcopal, achados
arqueológicos e toponímia 13. Estas fontes, por sua própria
natureza, são lacunares, o que nos levam a elaborar aproximações e
conjecturas sobre o objeto em estudo.
Através de notícias encontradas na Chronica Caesaraugustiana, em
Hidácio e na correspondência de Paulino e Ausônio, sabemos que nos séculos
IV e V, La Rioja foi terra de passagem quase obrigatória para os germanos
que chegavam à Península Ibérica 14.
Além de ser região de passo para os invasores germanos,
La Rioja também foi alvo dos movimentos bagaudas. Estes movimentos reuniam
camponeses empobrecidos, escravos fugidos, desertores, enfim, indivíduos
excluídos da sociedade que, sob a liderança de um chefe, revoltavam-se
contra os poderes instituídos na região, invadindo e saqueando as grandes
propriedades. Durante os séculos IV e V diversos grupos, denominados
genericamente como baguadas, assolaram o bispado de Calahorra, fazendo
crescer a insegurança e o pavor entre a população local.
Mesmo após a organização do Reino visigodo, este território sofreu com a
peste bubônica, a fome e as pragas de gafanhoto e assistiu a constantes
campanhas militares que visavam submeter e conter os povos do norte -
cantábricos, astures e vascos - que com o fim do Império Romano reforçaram
sua autonomia e expandiram-se para as áreas próximas 15. Alguns
autores defendem que os cantábricos chegaram até as regiões mais ocidentais
de La Rioja 16.
Apesar deste quadro de instabilidade constante, o
processo de cristianização continuou vivo por toda La Rioja, tal como
indicam os achados arqueológicos. Entretanto, o cristianismo que se
instaurou nesta região durante os séculos V ao VIII, como em toda a
península, acabou por desenvolver algumas características próprias, sendo
denominado pelos estudiosos como hispano-visigodo.
Com
a submissão de toda a Península Ibérica ao controle visigodo e a conversão
oficial destes ao catolicismo em fins do século VI, processou-se uma
homogeneização do cristianismo, que mesmo sem romper radicalmente com a
tradição cristã tardo-antiga e mantendo-se vinculado à Igreja universal em
termos doutrinários, desenvolveu uma feição própria. A seguir, faremos uma
análise das principais características do cristianismo hispano-visigodo
presentes em La Rioja.
4.
A cristianização do meio rural riojano e as persistências pagãs
Conforme já assinalamos, a cristianização de La Rioja prosseguiu durante os
séculos iniciais da Idade Média, principalmente nas regiões menos
romanizadas e de caráter rural. Há que ressaltar que o fenômeno da
ruralização, que se processou no Ocidente a partir do século III, também foi
sentido nesta região no período visigodo. O deslocamento das populações
urbanas para os centros rurais foi mais efetivo nos vales dos rios
tributários do Ebro, as zonas mais romanizadas da área. A cristianização
riojana a partir do século V não pode ser compreendida sem que se leve em
conta este fenômeno.
A
expansão da cristianização em La Rioja deu-se através da iniciativa de
missionários itinerantes, como Prudêncio de Armentia, a implantação de
paróquias rurais e, sobretudo, da instituição das igrejas próprias 17,
que ocuparam um papel fundamental na cristianização das zonas rurais
riojanas. O sistema de igrejas próprias não foi exclusividade do Reino
Visigodo e tem suas raízes nas transformações sócio-econômicas processadas
no Império nos séculos IV e V 18, que levaram a desestruturação
do Estado Romano e ao crescente poder das aristocracias romanizadas e
cristianizadas que se estabeleciam no campo, em suas grandes propriedades
rurais, as chamadas villae 19.
Por igreja própria ou privada entende-se um templo que
possuía soberania própria, visto ter sido construído por um proprietário em
suas terras e do qual poderia dispor patrimonialmente: vendê-lo, trocá-lo,
doá-lo. Entretanto, como os edifícios eram consagrados pelos bispos para que
neles pudessem ser realizadas as Missas, estava proibida a transformação
destes templos em espaços profanos, o que de forma alguma impedia o seu
usufruto por parte de seu possessor. No caso específico da igreja
visigótica, esta liberdade estava um pouco mais limitada, porque os templos
encontravam-se submetidos à jurisdição episcopal.
Como ressalta
Espinosa Ruiz, "el fenómeno de las iglesias privadas siempre se desarrolló
en el marco de un inestable equilibrio de interesses entre las aristocracias
fundiarias... y los obispos que, mediante la legislación conciliar,
promovían aquellas sujetándolas al mismo tiempo a su control" (1992: 270).
A
aristocracia rural hispano-visigoda via nas igrejas próprias uma forma de
obter rendimentos, já que os templos recebiam dízimos e ofertas dos quais a
aristocracia dispunha, alegando a necessidade de manter a casa de Deus
20. Além disso, tais templos constituíam-se em pontos econômicos de
maior ou menor importância, visto que atraíam pessoas para a assistência às
missas, o que muitas vezes levava ao surgimento de um incipiente comércio no
local.
Podemos ainda destacar como uma das motivações para a construção de igrejas
privadas a busca pela afirmação da aristocracia perante a população rural
através da cristianização, pois apesar da crescente expansão desta fé, as
práticas pagãs permaneciam arraigadas no campo, tal como informa o cânone
11 do XII Concílio de Toledo. Finalmente, não podemos deixar de apontar,
como razões que impulsionaram a construção de templos privados, a devoção
religiosa genuína ou o interesse por manter um culto a um santo.
Achados arqueológicos em Albelda, Ventas Blancas, Arnedo e Cervera do Rio
Alhama permitem concluir que em diversas localidades riojanas foram
construídas igrejas rurais. Por suas características arquitetônicas - abside
e única nave retangulares e presença de sarcófagos nas criptas nas quais
eram depositados os corpos de pessoas vistas como ilustres- são consideradas
pelos estudiosos como igrejas próprias (Espinosa Ruiz,1992: 273-276, Heras
Y Núnez, 1982: 27-30 ).
Entretanto, apesar de todos os esforços para a
cristianização, principalmente nas regiões montanhosas e pouco romanizadas,
os traços pagãos mantinham-se persistentes. Os cultos aos montes, árvores,
bosques, águas e fontes, de origens celta ou vasca, permaneceram.
Segundo
aponta Orlandis, "las asperas tierras de la cordilheira cantábrica fueron el
principal refugio de la idolatria durante la época visigoda" ( 1988: 302).
Esta persistência do paganismo em algumas áreas de La Rioja
Alta, além de representar uma resistência cultural face às tradições cristãs
que, sobretudo através da aristocracia hispano-romana, eram introduzidas nas
áreas rurais, pode ser explicada pela expansão dos cantábricos, que segundo
atestam achados arqueológicos, ainda praticavam sacrifícios humanos no IV
século (Orlandis, 1988:185).
Segundo
Atienza, "el macizo montañoso de la sierra de la Demanda, llamado también
los montes Distercios, es, con toda probabilidad, uno de los enclaves
peninsulares con mayor carga de tradición mágica" (1994: 147).
5.
A organização eclesiástica visigótica em La Rioja: o bispado de Calahorra
Devido as assinaturas nas atas dos concílios hispanos alto-medievais, é
possível conhecer o nome dos bispos de Calahorra durante o período visigodo,
reconstruir, de forma aproximada, o período de governo de cada um e atestar
a continuidade deste episcopado. Apesar da notícia de que Calahorra
encontrava-se em ruínas no IV século, presente em uma carta de Paulino de
Nola a Ausônio, a documentação eclesiástica nos leva a concluir que a
comunidade cristã desta cidade manteve-se ativa.
Durante o período visigodo foram consolidados os limites diocesanos e a
estrutura metropolitana ibérica . Entretanto, é difícil precisar que regiões
compreendiam a diocese de Calahorra. Sáinz Ripa propõe que esta abrangia as
cidades romanizadas do Ebro e os vales dos rios desde o Alhama até o Tirón
(1994: 87). Entretanto, em alguns breves momentos, quando certas sedes
vizinhas encontravam-se vacantes, sua jurisdição chegou a abarcar os limites
de outras dioceses, ocorrendo também o contrário; quando este bispado teve
que subordinar-se ao poder episcopal vizinho, o de Tarazona, pelas mesmas
razões. Neste período, acredita-se, este episcopado foi governado por
Dídimo.
Bispos
Calagurritanos |
Período
aproximado de Governo |
Valeriano |
Início do século
V |
Silvano |
Meados do século
V |
Dídimo, bispo de
Tarazona |
Meados do século
VI |
Múnio ou Munimio |
Final do século
VI e início do VII |
Gabinio |
Meados do século
VII |
Eufrânio |
Segunda metade do
século VII |
Wiliedo |
Finais do século
VII |
Félix |
Final do século
VII e início do VIII |
Segundo documentos preservados, podemos concluir que devido a instabilidade
instaurada na região, nos séculos V e VI, e que dificultou as comunicações,
esta diocese gozou de certa independência. É o que podemos constatar pelas
ordenações episcopais efetuadas por Silvano, bispo de Calahorra, e
posteriormente consideradas irregulares e anti-canônicas pelos bispos da
Tarraconensis oriental (Saínz Ripa, 1994: 86-7).
De
todos os bispos de Calahorra do período conhecidos, só um possuía nome
godo: Wiliedeus, que foi prelado no século VII. Segundo Sáinz Ripa, este
dado pode nos levar a duas conclusões distintas: ou que na região de La
Rioja o assentamento visigodo foi pequeno (1994: 97), idéia partilhada por
Menjot (1979: 159), ou que teria ocorrido uma certa desconfiança em eleger
bispos visigodos devido ao seu passado ariano.
Segundo Heras y Núnez, os visigodos não só ocuparam a região de La Rioja
como propiciaram uma germanização da região, atingindo até a liderança da
Igreja, desde meados do século VII (1982: 9 e 11). Como então explicar tal
fato? Acreditamos que a menção nas fontes eclesiásticas de um único
patrocínio visigodo, denominando um bispo calagurritano, é um dado muito
impreciso para avaliar a presença de visigodos nesta diocese. Este fator,
aliás, não é fundamental para a compreensão do cristianismo
hispano-visigodo na região, visto que este não se caracterizou unicamente
pelo influxo visigótico.
Há
ínfimas notícias sobre os prelados de Calahorra do período visigótico,
algumas, inclusive, provenientes de documentos bem posteriores, como as
referências ao bispo Valeriano encontrada em uma cópia da obra De viris
illustribus de Jerônimo, feita no século X (Saínz Ripa, 1994: 73).
Porém, graças às dioceses mais documentadas, podemos traçar paralelos com o
bispado calagurritano e chegar a algumas hipóteses.
O
bispo calagurritano possuía, segundo a tradição eclesiástica, o poder de
governo, magistério e jurisdição sobre toda a comunidade diocesana. Pela
natureza, responsabilidade e autoridade deste cargo, provavelmente como
ocorria em outras províncias eclesiásticas ibéricas, a origem social de seus
bispos encontrava-se na aristocracia hispano-visigoda.
Conhecemos a biografia de certos bispos hispano-visigóticos, como Isidoro de
Sevilha e Bráulio de Saragoça, e sabemos que alguns obtiveram formação
monástica. Infelizmente, sobre os bispos de Calahorra nada possuímos.
Contudo, podemos afirmar que os bispos calagurritanos estudaram em escolas
eclesiásticas, provavelmente em Saragoça devido à proximidade e as relações
entre as regiões atestada na documentação 21. O preparo nas
escolas eclesiais - monásticas ou episcopais - foi um elemento fundamental
na formação dos líderes da igreja visigoda e um sinal de distinção, visto
que a grande maioria do clero paroquial não adquiria seus conhecimentos em
uma escola, mas servindo ao bispo sob supervisão do arcediano.
Pelas fontes preservadas, sabe-se que desde a conversão oficial dos
visigodos ao catolicismo, a partir do século VI, o cargo de bispo recebeu
crescente importância na monarquia, o que levou a uma progressiva
intervenção do poder real nas nomeações episcopais. Também neste aspecto não
possuímos qualquer fontes referentes a diocese de Calahorra. Acreditamos,
contudo, que devido ao seu caráter de fronteira com cantábricos e vascos,
teria recebido especial atenção real.
Um
dos principais instrumentos para a manutenção da unidade da Igreja Ibérica
no período visigodo foram os concílios e sínodos. Durante o período dos reis
arianos não foram organizados concílios de caráter peninsular, porém foram
convocados sínodos provinciais. De 506 a 549 foram celebrados quatro sínodos
na Província Eclesiástica Tarraconensis, aos quais o bispo calagurritano
esteve presente. Não há notícias de concílios ou sínodos no período de 549 a
586. Após a conversão oficial do reino visigodo ao catolicismo, foram
realizados periodicamente, em Toledo, concílios de caráter geral. Pela
presença das assinaturas dos bispos de Calahorra nas atas conciliares,
sabemos que estes estiveram presentes nas III, IV, VI, VIII, X (ainda que
existam controvérsias), XIII, XV, XVI assembléias toledanas. Além disso,
participaram de sínodos provinciais.
Assembléia |
Bispo
calagurritano presente |
Ano |
III Concílio de
Toledo |
Mumio
|
589 |
II Sínodo de
Saragoça |
Mumio |
592 |
Sínodo de Huesca |
Mumio |
598 |
II Sínodo de
Barcelona |
Mumio |
599 |
Sínodo de Egara |
Mumio |
614 |
IV Concílio de
Toledo |
Gabinio |
633 |
VI Concílio de
Toledo |
Representante de
Gabinio |
638 |
VIII Concílio de
Toledo |
Gabinio |
653 |
X Concílio de
Toledo |
Gabinio (Não
figura sua assinatura nas Atas) |
656 |
XIII Concílio de
Toledo |
Representante de
Eufrasio |
683 |
XV Concílio de
Toledo |
Wiliedo |
688 |
XVI Concílio de
Toledo |
Félix |
693 |
A
partir dos cânones dos concílios que foram assistidos por bispos
calagurritanos, ainda que não existam notícias diretas sobre o bispado de
Calahorra, podemos concluir que esta diocese compartilhava dos problemas e
soluções discutidas e aprovadas nestas reuniões. Basta nos determos na
questão da permanência, na Província de Tarraconense, de elementos arianos
em meio aos já convertidos ao catolicismo, questão discutida no II Concílio
de Saragoça, realizado em 592. Provavelmente, como parte constituinte desta
Província Eclesiástica, a diocese de Calahorra também sofreu com este
problema.
As
temáticas discutidas nos Concílios abarcavam diversas facetas da vida
eclesiástica visigoda: questões teológicas, litúrgicas, organizativas,
financeiras, dentre várias outras. A homogeneidade e expansão por toda
península ibérica do cristianismo hispano-visigodo foram garantidos por
estes constantes concílios e pelo caráter jurídico e organizativo
desenvolvido nesta igreja. A presença constante dos bispos calagurritanos
nestas assembléias nos permitem concluir que este bispado estava em harmonia
com as diretrizes da Igreja visigótica 22.
6.
O culto aos santos em La Rioja.
Uma
das características do cristianismo hispano-visigodo foi o desenvolvimento
do culto aos santos mártires e confessores. A liturgia, os hinos, a
toponímia, as festas, as igrejas dedicadas aos santos e às peregrinações são
algumas das fontes que nos permitem reconstruir a devoção aos santos na
Igreja visigoda e especialmente em La Rioja, que recebeu influências, neste
aspecto, das igrejas oriental, gala e romana.
Desde o século IV é atestado o culto aos santos na Península Ibérica.
Primeiramente foram cultuados os mártires e, num segundo momento, os santos
confessores. O primeiro santo confessor ibérico a ser cultuado foi um
riojano: San Millan.
O
culto aos santos em La Rioja desenvolveu-se a partir do século IV. Basta nos
determos nos hinos de Prudêncio, natural de Calahorra, nos quais foram
engrandecidos e divulgados os sofrimentos de diversos santos hispanos e
estrangeiros, a começar pelos mártires riojanos Emetério e Celedônio.
Yelo Templado elaborou um inventário de todos os santos cultuados em La
Rioja nos séculos V ao VIII (1985). Dentre os santos cultuados encontramos,
além de hispanos, naturais da Itália, da África, de diversas regiões do
Oriente e da Gália, tal como em outras regiões da Península Ibérica. Estes
dados são fundamentais para constatarmos que a área em estudo encontrava-se
em constante contato com as mais diversas regiões, seja através de seus
líderes religiosos, que periodicamente reuniam-se em concílios, ou,
provavelmente, através de peregrinos e viajantes em geral.
Os
cultos aos santos desenvolveram-se em torno a sepulturas e relíquias,
estando diretamente ligados às peregrinações. Possuímos notícias sobre
romarias aos túmulos de Eulália, Vicente e até mesmo de Martinho de Tours
desde o século V. No caso específico de La Rioja, podemos apontar o túmulo
de Millán como alvo de peregrinações desde fins do século VI 23.
Além de atrair peregrinos, devido à posição estratégica de La Rioja e à
presença de vias de circulação, provavelmente, muitos fiéis atravessaram
esta região a caminho da Gália ou do Sul da Península Ibérica.
Ainda relacionado ao culto aos santos, podemos apontar a redação de Paixões
de Mártires e Vidas de Santos com o objetivo de divulgar as biografias e
feitos milagrosos. La Rioja foi o cenário de uma destas obras, a Vita
Beati Emiliani, escrita por Bráulio de Saragoça no VII século.
7 .
O eremitismo em La Rioja
Possuímos notícias sobre o eremitismo na Península Ibérica desde o início do
século IV. Este movimento, com o desenvolvimento do Pricilianismo - doutrina
elaborada pelo hispano Prisciliano, marcada por um rigoroso ascetismo,
considerada herética pela Igreja, mas que se propagou rapidamente e
enraizando-se em várias áreas da Península Ibérica e sul da Gália- sofreu um
certo declínio no século V, quando foi visto com desconfiança. Recobrou sua
vitalidade a partir do século VI, sob diversas formas: o eremitismo
propriamente dito, o semi-eremitismo, o eremitismo itinerante, dentre outras
modalidades (Monreal Jimeno, 1991: 50-1).
O
eremitismo conviveu com o monacato em diversas regiões da Penísula Ibérica
nos períodos visigodo e pré-românico. Em alguns casos, chegou a ocorrer uma
certa evolução desde os eremitas isolados, que acabavam por atrair
discípulos, chegando ao desenvolvimento de oratórios coletivos e, por fim, à
vida cenobítica propriamente dita (Bango, 1990: 8). Um traço marcante no
desenvolvimento do eremitismo ibérico foi o uso de covas como celas e
oratórios. Estas covas, em parte naturais e em parte resultado da ação
humana, já eram usadas pelos pagãos como espaços de iniciação e de
aprendizagem de práticas mágicas. Com a cristianização e desenvolvimento
institucional da Igreja, muitos indivíduos resolveram dedicar-se a uma vida
contemplativa à margem da organização eclesiástica. Provavelmente por
influências do ascetismo priscilianista, pela busca ideal do deserto - local
bíblico de tentação e crescimento- e devido a longa tradição pagã, dentre
outros fatores, estes homens se refugiaram nas montanhas, principalmente nas
regiões do norte da Península, buscando uma união mais íntima com a
divindade.
Achados arqueológicos atestam a existência de diversos centros eremíticos
rupestres em toda a região riojana: S. Millan, Valvanera, Anguiano,
Bobadilla, Matute, Nájera, Castañares de las Cuevas, Clavijo, dentre outras
muitas localidades (Sáinz Ripa, 1994: 128-31; Monreal Jimeno, 1991: 57).
Nesta região, a partir do século VI, estabeleceu-se um tipo de vida cristã
rigorosa que estava destinada a permanecer por séculos. Como afirma Atienza,
La Rioja tornou-se, durante o período visigótico, um "núcleo de
espiritualidad fundamental a lo largo de toda la Edad Media" (1994: 68).
Esta vida eremítica que floresceu em La Rioja tinha como características
fundamentais a ausência de regras; a coexistência de diferentes formas de
vida religiosa, desde o eremitismo ao cenobitismo; a presença de eremitas de
ambos os sexos e o seu caráter missionário, pois como já assinalamos, foram
nas montanhas riojanas - pouco romanizadas - que persistiam os cultos e as
práticas pagãs.
8.
Millan: o eremita e o santo
Dentre os muitos homens e mulheres que se dedicaram à vida eremítica em La
Rioja, Millan é o mais conhecido. Segundo Menjot, Millan "... c'est un des
saints les plus grands, les plus célébres, les plus vénerés, les plus
anciens de la péninsule ibérique" (1979: 158), e cuja memória foi preservada
por diversos escritos medievais, a começar por Bráulio de Saragoça, no
século VII, a Gonzalo de Berceo, no XIII.
Millan nasceu por volta de 474 no povoado riojano de
Berceo 24. Por volta dos vinte anos, tornou-se discípulo do
eremita Félix, com quem, provavelmente, aprendeu os rudimentos da vida
eremítica. Segundo Atienza, esta ida de Millán a Félix possuía um caráter
iniciático, mantendo, assim, traços de continuidade com a religiosidade pagã
anteriormente estabelecida nesta região (1994: 65).
Após deixar Félix, viveu como eremita nas proximidades de Berceo.
Posteriormente foi ordenado sacerdote pelo Bispo Dídimo de Tarazona, em
meados do século VI, passando a fazer parte do clero de Berceo 25.
Segundo informa Bráulio, no capítulo 6 de sua Vitae, Millan, já
ordenado clérigo, passou a utilizar o patrimônio eclesiástico para fazer
esmolas, acabando por levar à insatisfação o restante do clero berceano e o
seu posterior desligamento da vida eclesiástica secular.
Millan voltou então à vida eremítica, dedicando-se também à cristianização
dos vales dos rios Najerilla e Cardenas, bem como das montanhas Cantábricas.
Reuniu muitos seguidores, entre homens e mulheres: Potamia, Geroncio,
Acisclo, Citonato e Sofrônio. Não podemos afirmar, contudo, se Millan fundou
um mosteiro, como diz a tradição, ou se até mesmo chegou a ser o líder de
um grupo semi-eremita.
Podemos atestar, graças a carta de Bráulio a seu irmão Fronimiano e por
achados arqueológicos 26, a continuidade da vida eremítica nos
montes Distercios mesmo sob domínio muçulmano. Porém, acreditamos que um
mosteiro só se estabeleceu na região por volta do século X, a partir da
comunidade semi-eremítica ali situada.
Conclusão
Durante o período visigodo, La Rioja foi alvo da expansão cristã, voltada
principalmente para os redutos do paganismo: zonas rurais e montanhosas. Nem
todas as atividades missionárias empreendidas neste região, contudo,
nasceram da iniciativa direta do corpo eclesiástico. A ação evangelizadora
da aristocracia cristã hispano-romana, estabelecida no campo, fez-se sentir
através da instituição das igrejas e mosteiros próprios em suas propriedade
rurais, situadas nos vales. Coube a leigos, que se dedicaram ao eremitismo
nas áreas montanhosas do norte, como Millán e seus seguidores, a
cristianização dos núcleos pagãos montanheses.
O
impacto da chegada dos germanos e a ação dos bagaudas acabou por atingir a
vida nos núcleos urbanos riojanos e a dificultar as comunicações e, por
extensão, a organização episcopal. Se por um lado constatamos que houve uma
continuidade desta diocese, por outro, há sinais de que, pelo menos nos
primeiros anos após as chamadas invasões, este bispado manteve uma certa
independência. Contudo, na medida em que foi se constituindo um cristianismo
hispano-visigodo, verificamos a presença dos prelados desta diocese nos
espaços de discussão e ordenamento de tal Igreja.
Assim, podemos inferir, a despeito da quase inexistência de fontes, que o
bispado calagurritano esteve em harmonia com as diretrizes e tradições da
igreja ibérica. Através dos vestígios do desenvolvimento do culto aos
santos, sabemos que a região de La Rioja não se mantinhaisolada. Recebia e,
provavelmente, enviava peregrinos, além de ser terra de passagem para muitos
outros.
Desta forma, apesar das particularidades da região, área de fronteira
cultural, alvo da expansão dos povos pagãos e montanheses do norte –
cantábricos e vascos - os diversos aspectos da vida eclesiástica
hispano-visigoda, como a liturgia, os princípios administrativos e a
arquitetura, fizeram-se presentes ali.
Mas
o cristianismo nesta região também ganhou traços característicos,
provavelmente frutos da incorporação de tradições pré-cristãs, cuja face
visível são as celas dos eremitas cavadas nas áreas montanhosas da região.
Todos estes fatores combinados - a expansão da cristianização; a harmonia do
bispado riojano frente à igreja visigoda, garantida pela presença dos bispos
nos sínodos e concílios; o crescimento das peregrinações e do culto aos
santos, em especial dos santos mártires Emetério e Celedônio e do confessor
Millan; o eremitismo rupestre – propiciaram a consolidação da fé e das
instituições cristãs em La Rioja nos primeiros séculos da Idade Média.
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EN QUE SE PONE LA VENIDA de la Santa
Imagen de Nuestra Señora de Valvanera á los
Montes Distercios,
y se discurre el tiempo en que pudo suceder
su milagrosa entrada. |
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Anais...
Logroño: Colégio Universitário de La Rioja, [s/d.].
Notas:
* Texto publicado em
Publicado na revista Brathair, Rio de Janeiro, ano 1, n. 2, p. 41-61, 2001.
ISSN 1519-9053
(http://orbita.starmedia.com/~brathair/Revista/N2/cristianismo_visigodo.htm)
1 Alguns autores preferem
dividir a região em La Rioja Alta, Média e Baixa. La Rioja Media
compreenderia os vales dos rios Iregua, Leza e Jureba.
CANTERA MONTENEGRO, E. La red de poblamiento en La
Rioja media y baja y en cameros a mediados del siglo XIII. In: ANDRÉS
VALERO, S. et al. Colóquio sobre Historia de La Rioja, 2, 1985, Logroño.
Anais... Logroño:
Colégio Universitário de La Rioja, s/d., p. 315.
2 A formação geológica destas
montanhas também permitem o surgimento de cavernas "de fábrica", isto é
cavadas pelo homem.
3 Termos de origem
latino-romance: cuestas, relacionado as encostas das montanhas;
cuevas, faz referência as covas, formadas nas montanhas do Sistema
Ibérico devido a ação da chuva e do vento; pedroso, proveniente do
latim petra, pedra.
4 Termos de origem
latino-romance que provém dos nomes dos animais cervo e lobo. Idem, p.483.
5 Termos de origem
latino-romance. O primeiro é proveniente do nome do fruto castanha e o
segundo do apelativo prado. Idem, p.483.
6
Pesquisas constataram, através de inúmeros achados que
recuam até o terceiro milênio, que desde o período Eneolítico já era
constante o contato das culturas assentadas em La Rioja com as de outras
regiões, tais como a atlântico-mesetenha e centro-européia. Refiro-me as
escavações arqueológicas sistemáticas que vem sendo realizadas em diversos
pontos de La Rioja, desde 1979, patrocinados pelo Serviço de Investigaciones
Arqueológicas da Comunidade de La Rioja, sob a direção de Perez Arrondo.
7
Principal via romana a passar por La Rioja à qual estavam relacionados
caminhos secundários.
8
Atuais Alfaro, Calahorra e Tricio.
9
Há indícios sobre esta circulação humana em La Rioja em fontes documentais e
achados arqueológicos. Ver as citadas por SÁINZ RIPA, E. Sedes
episcopales de La Rioja. Siglos IV- XIII. Logroño: IER, 1994, p. 16 s.
10
Entendemos por religiosidade as práticas de fé não institucionalizadas e por
religião as práticas oficiais. QUEIROZ, J. J. (org.). A religiosidade do
povo. São Paulo: Paulinas, 1984, p.8-13.
11
Calahorra encontra-se localizada no vale do Rio Ebro, em La Rioja Baixa.
12
Em meados do século V já estão estabelecidos os traços da estrutura
metropolitana hispana, bem como a forte vinculação desta Igreja à Roma.
Cf. MARTÍN VISO, I. Organización episcopal y
poder entre la Antiguedad tardía y el Medievo (siglos V-XI): las sedes de
Calahorra, Oca y Osma. Iberia, Logroño, 2, p. 151-190, 1999 e JEDIN ,
H. (dir.) Manual de Historia de La Iglesia.
2 ed. Barcelona: Herder, 1990. t. 2: BAUS, K et al. La Iglesia Imperial
después de Constantino hasta fines del siglo VII, p. 326.
13
SÁINZ RIPA apresenta um inventário destas fontes em sua obra já citada, p.78
e seguintes, bem como, referente a documentos eclesiásticos, o faz LAMA, I.
R. R. de. El cristianismo y los obispos riojanos
en la época visigoda, 415-715. In: AAVV. Historia de La Rioja.
Logroño: Caja de Ahorros de La Rioja, 1982. v. 2: Edad Media., p. 20.
14
Como no caso dos suevos e dos hérulos, atestados pelas fontes. Idem, p. 19
-20.
15
Sobre a situação geral de La Rioja nos séculos IV ao VII ver, além das obras
já citadas de SÁINZ RIPA e LAMA, o trabalho de síntese sobre o período de
ORLANDIS, J. Historia del Reino Visigodo Español.
Madrid: Rialp, 1988 e o estudo de RODRIGUEZ MARTÍNEZ,
M. Aproximación a la economía de fines del siglo IV y principios del
siglo V en La Rioja.
Logroño: Instituto de Estudios
Riojanos, 1992.
16
Esta discussão é apresentada por ORLANDIS, J. op. cit., p. 73. Dentre os
autores que defendem a expansão cantábrica por La Rioja Alta encontra-se
ALVAR, M. El Dialecto riojano. Madrid: Gredos, 1976.
17
Além de templos, o sistema de Igrejas Próprias incluíam mosteiros
particulares. JEDIN, H. op. cit., t. 2, p. 775. sobre o sistema de Igrejas
Próprias na Península Ibérica visigoda ver as obras clássicas de TORRES
LÓPEZ, M. La doctrina de las "iglesias propias" en los autores españoles. e
El origen del sistema de "iglesias propias".
Anuario de Historia del Derecho Español.
Madrid, n. 2, p. 402-461, 1925 e n.5, p. 83-217, 1928, BIDAGOR, R. La
"iglesia propria" en España. Estudo histórico
canónico. Roma: s/ed., 1933 e MARTÍNEZ DÍEZ, G.
El patrimonio eclesiástico en la España Visigoda. Estudio
histórico-jurídico. Madrid: Universidad de Comillas, 1959
18
FRANK, I W . Historia de la Iglesia Medieval.
Barcelona: Herder, 1988, p. 41. Ulrich Stutz foi o
pioneiro no estudo deste fenômeno, seguido por Dopsch. Uma breve discussão
historiográfica sobre a questão é apresentada por FACI, J. Estructuras
sociales de los reinos cristianos . La Iglesia
Propia en España. In: VILLOSLADA, G. (dir.) Historia de la Iglesia en
España. Madrid: Biblioteca de Autores
Cristianos, 1982. v 2, t 1, p. 136 -137.
19
No caso de La Rioja são atestadas a presença de vilas desde o III século.
HERAS Y NÚNEZ, M. de los A. de las. Las
instituciones visigodas. In: AAVV. Historia de La Rioja.
Logroño: Caja de Ahorros de La Rioja, 1982. v. 2: Edad Media., p. 12.
20 Os ingressos eclesiásticos
na Espanha visigoda eram divididos em 3 partes: uma era encaminhada ao
bispo, outra ao clero local e uma terceira para a manutenção dos templos.
SÁINZ RIPA, E. op. cit., p. 89.
21 Há que sublinhar que a
Vida de San Millán de la Cogolla, santo riojano que viveu neste período, foi
escrita pelo bispo de Saragoça Bráulio.
22
Sobre os temas tratados nos concílios e sínodos visigodos, ver a obra
Vives, Jose (ed.).
Concilios Visigóticos e Hispano-Romanos. Madrid: CSIC. Instituto
Enrique Florez, 1963.
23
Como desvelam os milagres pós-mortem relatados na Vita
Beati Emiliani, cap. 28 à 31. SANCTI BRAULIONIS CAESARAUGUSTANI
EPISCOPE. Vita Beati Emiliani. Ed. Vasquez de Parga. Madrid: [s/n] ,
1948.
24
Sobre as discussões quanto ao local de nascimento de S. Millán ver o artigo
de GAIFFIER, B de. La controverse au sujet de la
patrie de saint Emilien de la Cogolla. Analecta Bollandiana,
Bruxellas, t. 51, p. 293 - 317, 1933.
25
Este dado tem sido visto pelos autores como uma evidência
de que no século VI, a diocese de Calahorra esteve subordinada a de
Tarazona. Sobre as controvérsias historiográficas quanto à ordenação de.
Millan ver o artigo GAIFFIER citado na nota anterior e SÁINZ RIPA, E. op.
cit, p. 92 - 93
26 Sobre a correspondência de
Bráulio e Fronimiano ver LYNCH, C. H., GALINDO, P. San Braulio obispo de
Zaragoza (631 - 651). Su vida y sus
obras. Madrid: Consejo Superior de
Investigaciones Científicas, 1950, p. 211ss..
A
consolidação do cristianismo
hispano-visigodo em La Rioja
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Prof.ª Dr.ª
Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva
Departamento
de História / UFRJ
www.ifcs.ufrj.br/~frazao
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