| ||||||||||||||||||
RESUMO Este estudo investiga a importância da Virgem Maria no universo mental iberocastelhano do século XIII, a partir de uma reflexão histórico-antropológica. Assim, observa que a presença muçulmana em território cristão marcou a história da sociedade peninsular, que numa luta de credo contra credo lançou mão do culto à Maria que, como um sistema de valor, orientado por diretrizes de gênero, serviu de modelo para homens e mulheres da Castela medieval. Além disso, observa que essa sociedade participou, com grande entusiasmo, do movimento de exaltação mariana que caracteriza os séculos XII e XIII. A forma ibérica de celebrar a Mãe de Deus marcou sua história e seu quotidiano, pois estava, ao mesmo tempo, tão habituado ao convívio com o diferente e tão marcado pela diferença entre os sexos.Nesse contexto, a Virgem Mãe serviu de exemplum que inspirou num mesmo movimento, tanto aquelas que optaram pela virgindade, num casamento místico quanto àquelas que escolheram a maternidade, função principal da mulher no matrimônio. Palavras-chave: Gênero. Sexualidade. Religiosidade. Idade Média
RESUMEN Este estudio investiga la importancia de la Virgen María en el universo mental íberocastellano del siglo XIII, a partir de una reflexión histórico-antropológica. Así, observa que la presencia musulmán en territorio cristiano marcó la historia de la sociedad peninsular, que en una lucha de credo contra credo lanzó mano del culto a María que, como un sistema de valor, orientado por directrices de género, sirvió de modelo para hombres y mujeres de la Castilla medieval. Además de eso, constata que esa sociedad participó con gran entusiasmo del movimiento de exaltación mariana que caracteriza los siglos XII y XIII. La forma ibérica de celebrar a la Madre de Dios marcó su historia y su cotidiano, al mismo tiempo tan habituado a la convivencia con lo diferente y tan marcado por la diferencia entre los sexos. En ese contexto, la Virgen Madre sirvió de ejemplo que inspiró en un mismo movimiento, tanto a aquellas que optaron por la virginidad, en un matrimonio místico cuanto a aquellas que eligieron la maternidad, función principal de la mujer en el matrimonio. Palabras-claves: Género. Sexualidad. Religiosidad. Edad Media
| ||||||||||||||||||
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
J37a Jardim, Rejane Barreto Ave Maria, ave senhoras de todas as graças! : um estudo do feminino na perspectiva das relações de gênero na Castela do século XIII / Rejane Barreto Jardim. Porto Alegre, 2006. 236 f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, PUCRS, 2006. Orientador: Prof. Dr. Braz Augusto Aquino Brancato 1. Religião - História. 2. Virgem Maria. 3. Relações de Gênero. 4. Sexualidade. 5. Religiosidade. 6. Idade Média. I. Título. CDD: 200.9 232.91 301.417
| ||||||||||||||||||
| ||||||||||||||||||
3. CONSIDERAÇÕES ACERCA DO MITO DE MARIA NA PENÍNSULA IBÉRICA MEDIEVAL
3.1 TÓPICOS DE UMA MITOLOGIA MEDIEVAL
Embora possa existir, ainda, alguma controvérsia sobre a existência de uma mitologia medieval e, sobretudo, uma cristã101, é possível pensar sobre isso e ver, nessa idade teológica102, um momento de fundação do ocidente cristão, a partir da produção de alguns mitos. Discutir até que ponto a sensibilidade religiosa da Península Ibérica medieval criou ou recriou, leu ou releu ressignificando alguns mitos, e deles produzindo formas de explicação do real, elaborando uma tessitura sociocultural bem particular . Essa pesquisa quis observar em que medida essa produção de mitos obedecia à uma lógica social que instituía diferenças entre os sexos, produzida por um discurso de gênero . Nessa perspectiva, é importante ressaltar que o mito, embora não trate de história econômica ou política, a elas pode se referir, pois o mito diz da história das sensibilidades de uma dada coletividade103. E, como sabemos, o homem não se limita apenas a suas relações político e econômicas. O domínio das sensibilidades humanas se desenvolve lado a lado e passa junto às dimensões da sua existência social e, embora a narrativa mítica seja atemporal, mito e rito existem apenas na sua historicidade; o rito ritualiza e reatualiza o mito dando a ele novos significados. Para Hilário Franco Jr. “Mito e rito não existem na sua atemporalidade intrínseca, mas na historicidade que lhes dá sentido, e à qual eles próprios dão sentido”.104 É dessa “civilização, animada ainda por uma grande fecundidade mítica”105, que derivou a crença no mito de Santiago, o qual, sem dúvida alguma, foi um fator fundamental no processo de afirmação do cristianismo na Península Ibérica. Apesar do esforço da Igreja em combater as sobrevivências do paganismo, não deixou de contemplar as tradições culturais anteriores à sua. Pode-se dizer que o cristianismo soube produzir com eficácia um sincretismo entre os diferentes legados culturais com as quais estabeleceu contato . Teria ocorrido, então, aquilo que Ginzburg tão apropriadamente chamou de “circularidade cultural”106, inspirando-se em Bakhtin, o qual entendia os fenômenos culturais como coisas vivas, em constante evolução, ocorrendo entre as tradições populares e eruditas uma verdadeira luta, num jogo de influências recíprocas, entrecruzamentos e combinações . Dessa forma, também os mitos da era feudal se contaminaram mutuamente, assumindo algumas funções. Para Schmitt, a narrativa mítica poderia ter cumprido, em alguns casos, um papel legitimador de peregrinações, das festas tradicionais ou de origens dinásticas. Além disso, para esse historiador, pode ocorrer também que ela organize em uma mesma narrativa, tradições de origens diversas, eruditas e folclóricas: assim ela contribui para a integração da sociedade cristã por meio de uma mitologia que tende a se unificar.107 Santiago se apresenta como uma criação mítica própria do medievo, comprovando assim a hipótese que a Idade Média, longe de combater o mito, criou e cultivou os seus próprios e, em alguns casos, apropriou-se daqueles das tradições mais antigas. Durante o combate travado entre o legado antigo e o patrimônio cultural cristão, combinou elementos de uma e outra tradição cultural propondo novos significados para velhos temas mitológicos . O mito, visto como um discurso de explicação e justificação, se articula muito bem com o personagem do Apóstolo Santiago, como aquilo que explica e justifica a luta pela retomada das terras das mãos dos infiéis muçulmanos . Discurso aqui entendido como aquilo que engendra e é, ao mesmo tempo, engendrado pelo social108, “é assim palavra em movimento, prática da linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando”.109 Dessa forma, o discurso das narrativas míticas cumpririam um papel mediador entre o homem e a sua realidade social . Provavelmente, no mito em questão, ocorreu a combinação de crenças pagãs com crenças cristãs. Além disso, é preciso considerar as necessidades de expansão do cristianismo em terras ibéricas ocupadas pelo Islã. Essa peculiaridade pode ter contribuído para o desenvolvimento desse mito. Santiago, o Maior que era irmão de São João, foi muitas vezes confundido com o outro Santiago, o Menor, que segundo a tradição cristã seria irmão de Jesus Cristo, na realidade, segundo uma interpretação da Igreja seria, uma forma espiritual de irmandade pois, na verdade, eles seriam primos . De qualquer forma, Santiago não estava sozinho, ele estava acompanhado de um outro mito, aquele da Virgem Maria. Maria cumpriu um importante papel nessa longa marcha da Igreja Cristã pelo território ibérico110. É o que tentaremos aqui demonstrar. O mito da Virgem será tratado mais adiante com mais cuidado. Por enquanto, basta referenciar sua presença bastante precoce em território ibérico. Assim, Santiago e Maria formaram uma família, era a própria Sagrada Família, que em terras peninsulares combatia ao lado das populações ibéricas pela derrocada do inimigo muçulmano. No imaginário daquela sociedade tão acostumada às relações com o mundo celestial, sem dúvida que com tal ajuda divina a vitória estaria assegurada . Desde a ocupação muçulmana, a população peninsular passou a conviver intensamente com uma nova crença religiosa que, sem dúvida alguma, era tão pujante quanto aquela, que desde os visigodos se fazia penetrar em território ibérico. Embora não seja objeto de interesse da presente pesquisa, aqui cabe lembrar que na tradição visigoda o cristianismo foi interpretado inicialmente por meio da leitura ariana111que, segundo a fé romana, se constituía em uma heresia, possuindo seus próprios ritos e formas de representação da fé cristã112. Esse fato pode ser importante no estudo da história do cristianismo nessa região . Nessa perspectiva, uma realidade sociocultural bastante heterogênea foi se configurando, isso sem falar da importante presença de judeus sefardistas113que, de uma ou outra forma, também deixaram suas marcas na conformação cultural das populações ibéricas114 . Poder-se-ia dizer que na Península Ibérica ocorreu uma “luta de credo contra credo”115, Maomé contra Cristo. Nessa luta, os cristãos lançaram mão de inúmeras estratégias de combate. Numa relação permanente entre o divino e o humano, muitos foram os instrumentos utilizados nessa tarefa de evangelização . Essa região de conflito, de luta entre identidades tão distintas e, ao mesmo tempo, tão semelhantes, foi como que um laboratório sociológico onde foram produzidas criações, crises e perdas de identidade116, como num cadinho ou num almofariz cultural. Os filhos de Sara vão se auto-imaginar, na mesma medida em que os filhos de Agar se auto-representaram numa construção coletiva de identidades regionais e antagônicas117que, de uma ou de outra forma, se contaminaram mutuamente . Entre outras formas de representação das relações entre o céu e a terra, tão caras ao medievo peninsular, nesse combate entre duas crenças tão distintas, sem dúvida alguma a presença do apóstolo Santiago, o Maior, em terras peninsulares, estabeleceu uma ligação privilegiada com o mundo celestial. O Apóstolo é representado como um cavaleiro cristão que, segundo a tradição popular e relatos apócrifos, seria irmão gêmeo de Jesus Cristo. Antes de prosseguir nessa reflexão sobre o mito de Santiago, seria interessante pensar um pouco sobre o mito das Divindades Gêmeas. Esse fenômeno está presente em diferentes tempos e espaços, o que pode ser revelador daquela luta na qual acontecem influências recíprocas da qual Bakhtin, tão apropriadamente nos falou.118 Américo Castro nos ensina que na Espanha, desde os visigodos, abundaram crenças heréticas e que muitas entre elas acreditavam na existência de irmãos gêmeos de Jesus Cristo. A crença em divindades gêmeas é muito anterior ao cristianismo e está presente tanto na Europa quanto em outras partes do mundo. Por exemplo, existe a crença em Cástor e Pólux, filhos de Júpiter, Zeus entre os gregos e o mais importante dos deuses, nessa narrativa um dos gêmeos subia aos céus e o outro permanecia na terra cuidando dos homens.119Além disso, conhecemos a lenda de Rômulo e Remo, filhos de Marte, deus da guerra, gêmeos esses mitos fundadores de Roma . Também existem mitos de gêmeos em várias culturas indígenas da América120e que possuem significados distintos. Numa hipótese explicativa eles são deidades singulares benéficas à humanidade, numa outra, um dos gêmeos é bom e o outro é mau. Em outros casos são associados às desordens atmosféricas. De qualquer modo, são divindades com poderes sobrenaturais capazes de afetar os homens . Mas o que interessa aqui é aquilo que Castro chamou de “mescla de crenças”, ou para Ginzburg, a “circularidade” cultural, na qual paganismo e cristianismo se interferem mutuamente, comprovando a ocorrência de um grande sincretismo cultural promovido pelas trocas dos capitais simbólicos que ocorreram em território peninsular . Confusão ou ressignificação de um mesmo mito, o que importa é a idéia que se articula em torno desse grau de parentesco tão próximo de Jesus, dando ao Santo um estatuto de grandeza indiscutível121e propondo a presença da Sagrada Família em terras peninsulares, o que dá àquela região uma condição de destaque diante da Europa cristã. Isso encaminha para uma possível rivalidade com Roma, centro da cristandade ocidental por ter em seu território os restos mortais de São Pedro . Agora, a Península recebe a intervenção de divindades muito mais próximas de Deus, e Santiago, primo ou irmão de Jesus, forma com Maria e o próprio Cristo, um triângulo poderoso que intercederá pela gente daquela região. Isso faz muito sentido àquele universo mental marcado por relações tão estreitas com o sobrenatural . Outro meio de contato especial com os céus foi, indiscutivelmente, a Virgem . Dessa forma, Maria e Santiago passaram a ser importantes evangelizadores das terras ainda sob o controle do infiel, e num combate sem trégua entre cristianismo e islamismo, veremos ambos aparecerem repetidas vezes guiando os guerreiros cristãos na luta contra o infiel muçulmano . Sem menosprezar a importância de Santiago, acredito que a imagem de Maria desempenhou um papel muito relevante nessa tarefa de cristianização das comunidades peninsulares. Senão vejamos, a descoberta do túmulo de Santiago ocorreu na Galícia entre 820-830, o que talvez possa indicar ser esse personagem ainda pouco celebrado entre as populações ibéricas até essa data. Já as aparições da Virgem datam de períodos mais antigos, como é o caso de sua intervenção no episódio de Covadonga, como veremos mais adiante . A descoberta dos supostos restos mortais do apóstolo, nesse período, nos indica o momento de reorganização da cristandade já articulada em torno de um projeto comum de luta contra o invasor muçulmano. A representação da Virgem em épocas tão remotas pode nos indicar ser ela uma divindade sempre bem acolhida pelas populações autóctones, inclusive pelo Islã. Como sabemos, Maria é o único nome de mulher citado no Corão122. De qualquer forma, o que nos chama a atenção é a presença dessa personagem feminina em épocas tão remotas em terras ibéricas . Contudo, a popularidade da Virgem não indica uma possível competição com a do Apóstolo. Pelo contrário, parece que entre esses dois mitos ocorre uma espécie de parceria. Seria possível dizer que ocorre uma colaboração entre Maria e Santiago. São mitos que, longe de competir entre si, se reforçam mutuamente. Ao analisar um dos milagres narrados por Gonzalo de Berceo em seus Milagros de Nuestra Señora, precisamente o milagre VIII, pode-se observar essa relação de parceria, vejamos:
Trata-se de uma narrativa muito interessante, haja vista a hipótese aqui defendida de ser a Virgem não apenas precocemente cultuada na Península como também ocupar um lugar de destaque no panteão das crenças daquela região . Pelo que se pode depreender do poema, sua fonte seria folclórica, transmitida pela tradição oral. O poeta, após dizer a origem da narrativa, passa a dar as primeiras informações que o público necessita para compreender a trama; logo apresenta o cenário e os personagens que serão centrais na compreensão da história . O enredo gira em torno de uma romaria à cidade de Santiago de Compostela .Durante a peregrinação, ocorre a aparição do diabo para um dos romeiros, que iludido por este, que se fez passar pelo Apóstolo, comete suicídio, antes se automutilando por sugestão do demônio. Santiago e o diabo estabelecem uma disputa pelo controle sobre a vida e a alma do devotado romeiro. Nessa ocasião é que ocorre ao Apóstolo pleitear à Virgem Santíssima sua intervenção, a fim de resolver a questão. Esse episódio reforça a hipótese de uma posição hierárquica superior da Virgem sobre o mito de Santiago . O mito de Maria como advogada, intercessora dos mortais diante da divindade maior já é bastante conhecido, e nesse particular nada de novo. O interessante é que mesmo o santo guerreiro, grande defensor da cristandade ibérica não tenha tido poderes semelhantes para resolver uma questão como essa tão comum no mundo do maravilhoso medieval. Isso nos faz pensar no que está aqui em jogo . Embora isso, o milagre nos apresenta algo muito interessante. A, aparente, superioridade da Virgem sob o Apóstolo. Longe de estabelecer uma relação de força ou de concorrência, na verdade apresenta entre eles uma combinação de esforços, num esquema de reforço dos poderes um do outro. Acredito que isso obedecia à lógica das necessidades de expansão do cristianismo que, nesse sentindo, lançou mão de suas próprias divindades mitificadas, nesse particular produzindo uma visão das funções do masculino e do feminino . Esse fenômeno de relações de colaboração entre mitos aparentemente diferentes já foi observado por Claude Lévi-Strauss124em seus estudos sobre o mito e suas funções. Para esse antropólogo ocorre uma relação de colaboração ou de reforço entre mitos aparentemente opostos o que, antes de fazer com que se anulem reciprocamente, produz um efeito de reforço dos aspectos positivos um do outro . Assim, incorporando Maria ao seu panteão, o cristianismo, apesar de sua indiscutível misoginia, se abriu a essa figura tão emblemática e cara às crenças populares125, à representação da Deusa- Mãe ou das Mães-Terra. E a própria Igreja produziu uma metáfora genial se apresentando ela mesma como mãe e virgem, a Santa Madre Igreja126. Numa outra interpretação a Igreja se auto-representaria como a esposa de Cristo, a Rainha Católica. Essa representação foi analisada por Rita de Cássia B. Campos em seu recente estudo sobre aCorte Imperial, na qual a autora reflete sobre a condição de superioridade da Igreja sobre os homens:
Esposa, mãe, irmã, enfim Maria foi representada de inúmeras maneiras e em algumas delas ela era a própria Igreja, apesar de todo o discurso misógino do clero que acompanha a história da Igreja Cristã, a Virgem serviu de meio de divulgação dos projetos dessa instituição. O discurso religioso a apresentava de distintas maneiras, adaptando o mito de acordo com as necessidades do momento: ora Ela era superior, tal como a Igreja, ora inferior tal como a humanidade . Aliás, o clero jamais resolveu algumas contradições, a do seu discurso misógino e a adoção da Virgem como a alegoria da própria Igreja. Além daquela outra flagrante contradição entre alguns textos evangélicos que advogam a igualdade entre homens e mulheres e a tradição oriental que as consideras inferiores aos homens . Entretanto, hoje, como ontem, a figura da Virgem é absoluta em território ibérico, cultuada sob as mais diferentes formas, numa religiosidade muito particular, na qual é possível observar uma estranha intimidade entre o objeto venerado e aquele que venera.128 O culto à Virgem Maria crescia na mesma medida em que crescia a necessidade de combater o Islã. Maria contra Maomé, uma luta que se pode observar ainda hoje, presente no folclore de várias cidades espanholas .Esse fenômeno pode ser observado por ocasião das festividades populares conhecidas como Mouros e Cristãos. No Brasil, conhecidas, nas regiões de colonização açoriana, como As Cavalhadas.São tradições populares que comemoram a derrocada dos mouros pela retomada das cidades pelos cristãos . Essas festas duram dias, e nelas uma Virgem muito particular combate um Maomé, por vezes travestido com vestimentas femininas . A Virgem recebe nomes pouco comuns como, por exemplo, a da cidade de Biar, na Espanha, onde a Virgem recebe o nome de Nossa Senhora do Rosário, a Medrosa, por ela permanecer fechada em um santuário durante os dias de festa, já que Ela teria medo dos ruídos provocados por tiros de bacamartes e bombas que celebram a vitória dos cristãos sobre os mouros.129 A crença em Maria e, sobretudo em suas aparições e milagres, remonta ao Oriente grego c. 390. No século VI se generaliza por toda a cristandade, chegando até o Ocidente, por essa época diminuindo de intensidade e voltando com grande força em meados do século IX, alcançando seu apogeu entre os séculos XII e XIII . Pode-se dizer que isso ocorreu pelo papel que cumpriu na história do cristianismo, dizendo sim ao chamado de Deus, e com isso permitindo a vinda do Salvador, exercendo um papel de meio, de instrumento de aproximação entre os homens e a divindade, entre o céu e a terra . Ver Maria para ver a Deus foi uma idéia que se construiu no pensamento dos teólogos desde finais do século IV e que se tornou um sentimento comum ao longo dos séculos. A história das aparições de Maria se funde com a história da cultura medieval. Nessa perspectiva, a história das crenças religiosas pode ser também a história das idéias que homens e mulheres construíram no passado. No que diz respeito à realidade da Península Ibérica medieval isso se reveste de uma importância ainda maior, haja vista a já mencionada heterogeneidade cultural ali observada, isto é, a convivência de três culturas religiosas, que embora muito semelhantes sob alguns aspectos, como por exemplo o monoteísmo patriarcal, guardam entre si algumas diferenças. Nesse particular, Maria teve sob sua responsabilidade a importante tarefa de cristianizar uma terra onde a fé cristã era mais uma entre outras possibilidades de acessar o divino . Nas sociedades ibéricas, desde o século V, a Virgem passou a ocupar papel de destaque na religiosidade local.131Embora Ela seja um elemento comum ao cristianismo, de uma maneira geral presente aquém e além Pirineus, Maria teve em Portugal e na Espanha medieval uma tarefa bastante importante. Mais que representar a cristianização da Grande Mãe, divindade feminina presente nas diferentes tradições pagãs, ela significou mais um elemento no enfrentamento do Cristianismo contra o Islamismo, nessa luta de credo contra credo, sendo a representação da própria Igreja de Cristo . Maria foi a protetora fiel dos cristãos em sua luta contra os muçulmanos .Numa sociedade da guerra e da agressão precisava de uma santa padroeira da guerra. Embora nas tradições mais antigas as deidades femininas fossem a representação da vida e da fertilidade, na ressignificação da Virgem pelo cristianismo ela foi também uma divindade da guerra.132 Isso está perfeitamente de acordo com a realidade da Europa medieval, colocar-se em marcha pelo amor de Deus. Estava em sintonia com uma sociedade que se cristianizava pela força da palavra e da espada. A própria igreja se militarizava e desenvolvia um cristianismo de combate que se articulava com os valores cavalheirescos da sociedade feudal.133 Como exemplo dessa representação da Virgem, pode-se citar o modelo da Virgen del Pilar, protetora das tropas aragonesas; os Reis Católicos foram presenteados por Maximiliano da Áustria com uma imagem de Nossa Senhora de Vélez; que se tornou protetora dos cristãos durante o sítio à Málaga. Por fim, a Virgen de las Batallas, da catedral de Sevilha, sempre presente nas expedições guerreiras de Fernando III, o Santo, pai de Afonso X, o Sábio .
Quando da ocupação do território ibérico pelos muçulmanos, em 711, uma parte da população, em certa medida cristianizada, ainda que numericamente, provavelmente pouco significativa nos primeiros tempos, se refugiou ao norte da península e de ali teria organizado, no principio uma tímida resistência, tanto militar quanto cultural, face ao domínio mouro . Mesmo que em uma hipótese, nesses primeiros tempos, pudesse se tratar mais de bandos organizados para defenderem-se das incursões muçulmanas, do que um exército de cavaleiros cristãos firmemente convencidos da necessidade de defender a Igreja de Roma e conscientes de sua nacionalidade.134O fato é que o norte da península foi onde aqueles que seriam os defensores da cristandade peninsular se refugiaram a fim de conseguir sobreviver à ocupação moura . Essa região constituiu-se, assim, num espaço de resistência, num local de produção de alteridade. Nesse particular, o conceito de região pode ser elucidado por uma determinação de lugar no tempo, na história. Ou seja, região aqui entendida como produto histórico de determinantes sociais. Dessa forma se configurando num lugar culturalmente distinto daquele ao sul, onde a marca da presença muçulmana também produzia uma identidade especifica a do outro não cristão . O norte da Península Ibérica medieval se constituiu, portanto, em palco onde entraram em luta diferentes auto-imagens, que se fundamentavam num reconhecimento mútuo135. A identidade define, assim, um espaço no seio do qual as representações adquirem força material e onde a força dos discursos toma corpo.136 A identidade é o resultado de uma construção que pode ser tanto individual, quanto coletiva. E foi no embate entre cristãos e muçulmanos que se forjou na Península Ibérica medieval uma consciência de grupo, de pertencimento a uma coletividade maior. Isso é tão verdadeiro para o norte dos cristãos quanto para o sul dos mouros . Entretanto, é importante não esquecer que o conceito de identidade também é instável, flutuante, móvel. Ele se ajusta ao longo do tempo, na medida das necessidades, e se aplica perfeitamente bem para a idade média de uma maneira geral e, para a Península Ibérica em particular . Desde essa época temos notícias de aparições milagrosas da Virgem, que de forma bastante emblemática esteve presente no primeiro confronto entre mouros e cristãos do qual temos notícias. Trata-se da Batalha de Covadonga. Mítica ou verídica, o importante aqui é o elemento simbólico da intervenção divina de Maria em um assunto de homens, a guerra, e justo no evento fundador da Espanha medieval ou como diz Adeline Rucquoi no “ato de nascimento do reino das Astúrias, quer dizer, da Espanha medieva”.137 Antes de seguir na análise do episódio de Covadonga, é importante ressaltar que as covas e grutas possuíam para as comunidades tradicionais uma riqueza simbólica muito grande. Pelas pesquisas e achados arqueológicos foram encontrados raros utensílios que sugerem que esses lugares poderiam ter sido o campo de celebrações sagradas . Covas, grutas e cavernas são lugares de importantes registros pré-históricos bem como reservatórios de minérios preciosos, o que as torna duplamente ricas . Essas cavidades possuíam para as comunidades pagãs uma fertilidade mágica e nelas cultuava-se divindades femininas, cujas funções estavam ligadas tanto à fertilidade da terra, quanto a fertilidade das mulheres . Muitas imagens da Virgem foram encontradas em locais com essas características. Entre elas podemos citar a Nuestra Señora de las Olletas, Virgen de L’Avella e a Señora de la Balma, a Virgen de Montserrat. Estudos sobre mitologia mediterrânica nos indicam que esses locais desempenharam importante papel na vida religiosa das comunidades pré-cristãs, assim nos explica Junito Brandão:
Desse modo, a cova em questão pode ter para os homens e mulheres envolvidos naqueles acontecimentos algo de iniciático, na medida em que é, a partir desse momento, que se inicia o processo de formação de uma nova identidade sociocultural. Mesmo que pensemos no intervalo de tempo, de pelo menos dois séculos, que separam os episódios de Covadonga e os primeiros registros sobre esse fato, ainda assim a relação entre a concepção mágica desse lugar com esse evento épico fundador do norte cristão estava, de qualquer forma, presente no momento da elaboração da narrativa, mítica ou histórica . Embora sobre os episódios em torno de Covadonga, ainda que possa haver muita controvérsia, os historiadores concordam em vê-lo, ainda que simbolicamente, como o momento fundador desse sentimento de pertencimento a uma comunidade distinta daquela que se constituía ao sul da Península, Rucquoi e Milguel Angel Ladero Quesada aceitam o ano de 722 para a Batalha de Covadonga, para Ballesteros pode ter sido entre 721 a 725, os relatos tradicionais a situam no ano de 718 . Nesse evento inaugural, o mito fala da ajuda do céu se manifestando através de Maria, num dos episódios mais significativos da história da península. É uma divindade feminina que intervém, em uma possível alusão à intervenção da própria Igreja, Maria como metáfora, como representação da Santa Madre Igreja, conforme já referido anteriormente.139 Covadonga merece ser examinada, justamente por se tratar de um acontecimento que já produziu tanta polêmica entre historiadores espanhóis e hispanistas de uma maneira geral. Seja ela uma grande batalha ou uma simples escaramuça contra o infiel muçulmano, foi o ato de formação de uma resistência que, desde as Astúrias, teria dado início a luta pela Reconquista . Ela marca a fundação do primeiro reino cristão do norte e se constituiu no ponto de partida do enfrentamento militar e cultural que por séculos mobilizou a sociedade ibérica que ficou conhecido como a luta da Reconquista. Esta pesquisa se interessa exatamente pelo fato desse momento estar relacionado a uma divindade feminina, um momento de conflito armado, típico da Idade Média, e que teve por divindade protetora uma Santa. Covadonga se constituiu, pois, em lugar de construção de identidade. Mas, e se for apenas um mito? Como já dito anteriormente, não importa. Esse episódio interessa por ter marcado, simbolicamente, a origem da Espanha medieval, por fundar um sentimento de pertencimento das comunidades peninsulares e por ter a Virgem como elemento catalisador. Daí, a sua importância . O mito, como sabemos, tem pelo menos três funções: a de soberania, a militar e a de fecundidade. E nisso Covadonga é pródiga, pois funda o primeiro reino cristão do norte, assim caracterizando a sua função de soberania, dela organiza a resistência militar cristã, e engendra a ocupação das regiões desocupadas, caracterizando, por último, sua função de fecundidade. Nesse caso, as três funções estão dadas.140 Segundo a crônica de Salamanca, elaborada no século IX pelo bispo Sebastián que, segundo se sabe, foi o primeiro a falar de Covadonga. Ballesteros assegura que antes dele nenhuma fonte cristã menciona esse evento. Segundo o cronista de Salamanca, um tal Pelayo, da Cantábria-Astúrias141, sabendo da iminente invasão das Astúrias por Alkama e Táric, se refugia no monte Aseuva, numa cova chamada Santa Maria, cova Santa Maria, Cova Longa ou mesmo Cova Larga. Lugar que desde tempos muitos antigos servia de local para a celebração do culto à Virgem Maria. Neste lugar teria ocorrido a batalha entre mouros e cristãos, que teve a intervenção milagrosa da Virgem, assim fazendo com que um pequeno número de cristãos mal armados vencesse um grande número de muçulmanos bem armados . Dom Ballesteros nos chama a atenção para as muitas versões sobre esse episódio: se, por um lado, muito tem de maravilhoso, por outro pode servir de importante chave para compreender as diferentes estratégias utilizadas no processo de formação de uma identidade cristã que se forjava em terras ibéricas. Para esse historiador, a história de Covadonga sempre despertou o interesse dos pesquisadores, pois as Astúrias acabou por se constituir em cenário privilegiado da cristandade ocidental desde os começos da Idade Média. Para ele, ainda que se trate de um problema não totalmente resolvido, essa região foi palco da primeira vitória da luta pela Reconquista:
Seja como for, estudos recentes trabalham com a hipótese da existência histórica de Pelágio, considerando-o como o pioneiro na organização da resistência cristã no norte peninsular. Seria ele, também, o sogro de Afonso I (739-757), que alargou os domínios do modesto reino das Astúrias até a Galícia, Álava e norte de Castela. Nessa perspectiva, a nobreza visigoda, laica e eclesiástica, que fugia da recente vitória dos muçulmanos e seus aliados, também visigodos, se instalou nas Astúrias – Cantábria . Liderados por Pelágio, partidário do derrotado Don Rodrigo, formou-se um círculo palatino em torno desse último remanescente da monarquia visigoda que, em um dado momento, aproveitando-se de uma reunião tribal das tradicionais populações montanhesas do norte, soube articular os interesses de seu grupo recém-chegado com os desses montanheses, seculares inimigos das populações do sul.142
Miguel Angel Ladero Quesada, também, localiza neste momento as origens da Espanha medieval, assim vejamos:
O que importa para este estudo é que, mítica ou histórica, desde aproximadamente 718, ou pelo menos, desde 918, data da Crônica de Salamanca, na qual ocorre o relato da intervenção de Maria na vitória cristã, aqueles que se refugiaram no norte na península, encontraram na representação da Virgem um elemento catalisador que, de uma ou outra forma, parece ter forjado uma idéia de identidade Hispânica ao norte da Península Ibérica . Aqui é importante ressaltar que os historiadores modernos, que se opõem ao mundo arcaico ou pré-moderno, quase não reconhecem a Idade Média como um campo de estudos que oferece um potencial de investigação acerca da temática da identidade de nação. O período medieval pode ser visto como momento formador das identidades nacionais, inclusive desde os primeiros reinos medievais.143 Controvérsias à parte, a luta contra o Islã, com ou sem a ajuda do céu, marcou o processo de formação de uma auto-imagem cristã na península e naquela sociedade tão influenciada pelo maravilhoso a intervenção divina foi, muitas vezes, mediatizada pela ação da Nossa Senhora . Na Crônica Geral de Espanha, de Afonso X, encontramos a narrativa da Batalha de Covadonga, e nela os começos de uma relação muito especial, aquela entre os primeiros heróis da resistência cristã e sua grande Dama, a Virgem Maria . Nessa Crônica, Pelágio é apresentado como o primeiro rei de León, e assim a narrativa o apresenta:
A crônica segue relatando a história de Pelágio e seu confronto com os muçulmanos, que liderados por Táric e seu lugar-tenente, Alkma, além de seu aliado cristão, o arcebispo de Toledo don Oppas, buscavam submeter a população refugiada do norte da península . Assim segue o relato:
Conforme a fonte, teremos distintas interpretações acerca desse episódio . Entretanto, todas apontam esse momento como o do nascimento da Espanha cristã . Ainda segundo esse autor, após Don Pelágio se refugiar na cova, o exército muçulmano fez o cerco, momento esse em que ocorreu a intervenção milagrosa da Virgem e, assim ele nos apresenta esse instante:
O diálogo entre Don Pelágio e Don Oppas, do qual nos fala Ballesteros, foi ao que parece, também segundo a narrativa da Crónica General de España, de Afonso X, uma tentativa diplomática de convencer don Pelágio da inutilidade de combater os novos senhores da Península Ibérica, os muçulmanos . Don Oppas foi um emissário cristão, aliado dos muçulmanos, que buscava, pelo do diálogo, evitar o embate militar. Nesse relato, o arcebispo de Toledo é tido como irmão do rei Vitiza, morto em 710. Portanto, do ponto de vista da tradição cristã, seria um traidor de primeira hora. Pois os partidários desse rei foram os responsáveis pela chegada dos primeiros muçulmanos na península que acorreram para ajudar na disputa sucessória após a morte de Vitiza, cujos herdeiros não aceitaram as pretensões de Don Rodrigo ao trono visigodo, homem de quem Pelágio fora possivelmente vassalo . Cabe lembrar ainda que para os costumes medievais, trair consistia em crime grave, fosse a traição ao senhor, ao vassalo, ou a Deus, sempre passível de penalização. No código de ética das relações de suserania e vassalagem, a deslealdade era pecado severo. Esse tema foi tratado em diferentes obras do período, tanto nos textos de caráter didático e moral quanto nas obras literárias e de entretenimento.147 A resposta de Pelágio aos apelos de Oppas não deixa dúvidas sobre essa questão. Don Pelágio lembra a Oppas sua condição de traidor:
Para além da vingança pelo crime de traição, o que está em jogo é, sobretudo, a guerra santa, a luta contra o Islã, a busca da terra perdida para os hereges muçulmanos. Parece que na intervenção milagrosa do mundo divino, por mediação da Virgem nos episódios de Covadonga, entra em cena uma ação que funciona como num ordálio. Em um primeiro momento o milagre dá conta da defesa dos cristãos entrincheirados na cova e, logo a seguir, na punição do traidor que se tornará prisioneiro de Pelayo. Assim, a justiça estava feita:
A confiança nos milagres da Virgem marcou esse momento fundador da história da Espanha medieval e se repetiu em muitos outros momentos da história peninsular. Uma fé aparentemente compartilhada por boa parte da sociedade ibérica, haja vista a quantidade bastante grande de relatos sobre as relações das comunidades da península com essa personagem . Essa constante ajuda da divindade é um dos elementos formadores da identidade cristã na Península Ibérica medieval. E é justamente esse elemento invariável que se repete em muitos outros momentos da história da Península que chama a atenção, “aquilo que se repete tem se demonstrado como uma forma de introduzir alguma ordem, sobretudo nas histórias de caráter mitológico.149 No relato da crônica, observa-se que a confiança nos milagres da Virgem produzia sempre uma resposta positiva por parte da divindade, que prontamente acolhia os desejos dessa gente em luta contra o infiel. Não deixando de atender suas preces, a resposta de pronto chega:
É oportuno lembrar que a Crônica da qual tratamos data do século XIII, e em muito deve estar inspirada na Crônica de Salamanca que, conforme já mencionado, data do século IX. Como sabemos, os autores medievais copiavam-se uns aos outros, inclusive, Ballesteros chama a atenção para isso, dizendo que Sebastián: “El Salmaticense pudo copiar, extractar o ampliar fuentes anteriores a él hoy perdidas”.150Interessa observar que na longa duração, e independente do costume em copiarem-se mutuamente, o peso simbólico da divindade de Maria está presente . Para além desse aspecto, a batalha de Covadonga está repleta de simbolismos, nos remetendo para as relações de vassalagem, para as relações entre o divino e o humano, para as relações entre homens e mulheres . Por ora nos interessa observar os laços de homem a homem, laços de dependência pessoal, tão característicos da sociedade medieval. As relações de suserania e vassalagem propunham um contrato de compromissos mútuos entre as partes, seja entre os homens entre si, seja entre os homens e a divindade . E nos episódios de Covadonga é possível ao observador interessado em conhecer a cultura ibérica medieval ver como essas atitudes se expressavam. Dito de outra maneira, o herói cristão peninsular possuía suas próprias virtudes: a guerra contra o Islã e a devoção cristã151, e é justamente nessas duas características que o contrato vassálico pode ser observado . Se toda a sociedade é simbólica, em alguma medida, o estudo desse simbolismo pode ser revelador de seu imaginário social e, portanto, de sua existência histórica.152No caso da Península Ibérica medieval, isso se reveste de um efeito de verdade indiscutível . Dois traços são bastante característicos do imaginário social do medievo: a belicosidade e a contratualidade. De um lado, um incessante combate entre o bem e o mal, no caso ibérico, cristãos contra muçulmanos; de outro, uma relação de compromisso entre o homem e Deus e entre os homens entre si . Temos diante de nós uma sociedade estamental, segundo a qual Deus criou alguns homens para o trabalho, outros para a guerra, e outros para a reza. Mas todos eram definitivamente vassalos de Deus, não importando sua condição social . Como nas relações de vassalagem ocorre uma relação de compromisso de para a parte, há entre os homens e Deus um contrato de obrigações mútuas, um compromisso de honra que se expressa na vitória do bem contra o mal . Para Hilário Franco Jr. Deus seria o Senhor de todo cristão que se apresenta como o fiel vassalo que busca merecer um feudo no paraíso:
Para a Península Ibérica, trata-se da luta entre o Cristianismo e o Islamismo, sendo este último uma representação do mal a ser vencido no combate entre essas forças antagônicas. Essa luta de credo contra credo marcou profundamente o desenvolvimento histórico cultural dessa sociedade, deixando seus vestígios em um número variado de fontes documentais .
3.3 UM INVARIANTE FEMININO: MARIA E A PENÍNSULA IBÉRICA
Apesar de a sociedade ibérica estar ligada historicamente à Europa Ocidental e ser herdeira do legado romano-germânico, e nisso igual aos demais reinos europeus, a presença de mouros e judeus criou, controvérsias à parte, uma realidade diferenciada.154 Exemplo disso pode ser observado nos relatos de milagres da Virgem comuns a toda Europa ocidental. No além Pirineus essas intervenções milagrosas de Maria se tornaram célebres na obra dentre outros, de Gautier de Coincy, nos seus Les Miracles de Notre Dames, no aquém Pirineus. As ações da Mãe de Deus se tornaram conhecidas tanto nos Milagres de Nossa Senhora de Gonzalo de Berceo, quanto nas Cantigas de Santa Maria, de Afonso X. As duas últimas, além de outros documentos, forma mais intensamente estudadas na presente pesquisa.155 A analise desses poemas são importantes para o estudo das relações socioculturais na Península Ibérica medieval, caracterizada pela constante intervenção da Virgem nos assuntos daquela gente, tão dada ao contato como o divino. Nestas obras é possível observar as coincidências e as especificidades de cada tradição cultural, sobretudo, na Castela medieval . Nas Cantigas de Santa Maria, “a bíblia estética do século XIII”156, uma certa realidade se descortina ao leitor que passa a observar uma Península que convive com tradições culturais bastante distintas Nessa obra, o observador tem o privilégio de encontrar as culturas, cristã, moura e judia em suas relações quotidianas . Para José Filgueira Valverde157, as Cantigas são o mais atraente dos mariologios, o mais copioso em língua românica, uma obra total que reflete variados aspetos da vida familiar, popular e cortesã, a devoção e as crenças e preocupações da gente daquela época, em que a Virgem é uma das principais protagonistas . Em Berceo, nos Milagros de Nustra Señora,é possível vislumbrar as crenças e tradições de caráter popular. Os especialistas na obra de Gonzalo de Berceo158 concordam que sua principal fonte, além de possíveis manuscritos latinos, sobretudo aquele da Biblioteca de Copenhague, Thorr 128, foi de inspiração folclórica. Ele partia do popular e a ele se destinava, daí a importância do estudo de sua obra, na medida em que pode permitir o acesso ao meio não erudito, e assim verificar até que ponto as crenças de uma ponta a outra daquela sociedade se articularam . Sua importância também se dá por ter sido ele o primeiro a escrever em língua espanhola. Suas narrativas nos apresentam uma Península Ibérica bem particular. Para Keller, Berceo escrevia pelo prazer de escrever e tinha como suporte para suas narrações o “sabor popular espanholl”.159 O mesmo também se pode falar de uma outra obra sua, também analisada pela presente pesquisa, La Vida de Santa Oria que, segundo Brian Dutton160, foi a penúltima de suas obras. Nela, o poeta nos apresenta de forma privilegiada uma visão sobre a religiosidade feminina na Península Ibérica Medieval, num excepcional discurso de gênero . Essas obras de caráter literário podem ser reveladoras da vida cotidiana, das crenças e práticas de cunho religioso e profano. Enfim, podem desvelar a sociedade medieval em seus variados aspectos. Trata-se de importantes fontes documentais que cotejadas com outras nos apresentam uma faceta significativa daquela realidade social, apresentando o mito de Maira de diferentes maneiras, sendo conformado às necessidades de cada momento . Embora, exista entre o episódio até aqui analisado e a época das Cantigas de Santa Maria, dos Milagros de Nuestra Señora e de La Vida de Santa Oria um espaço de tempo bastante considerável, para este estudo, o que importa é observar o desenvolvimento das relações peninsulares com a Virgem na longa duração histórica.161A partir da Batalha de Covadonga, que data cerca de 722 passando pelas Cantigas de 1270 e 1282, os Milagros de nuestra Señora de cerca de 1246- 1255 e La Vida de Santa Oria de 1265, chama atenção os aspectos que marcaram e marcam a influência dessa religiosidade tão particular na existência das populações ibéricas e as formas de nomear o feminino. Importa observar os elementos invariantes nessas narrativas que, de alguma forma poderão nos esclarecer acerca daquela realidade social, quando a presença feminina, aparentemente assume papel de destaque num universo cultural marcado por profunda masculinidade, isto é, o mundo da guerra no período medieval, o que não quer dizer que sua condição seja melhor ou pior que em outras épocas . Lévi-Strauss já nos advertiu sobre a importância de estar atento àquilo que se repete162, pois aí pode se encontrar a chave para acessar todo um universo de significados até então velados. E que essas repetições podem funcionar como um elemento ordenador, como um instrumento de organização de uma dada realidade social . Na análise das fontes, nos chamou a atenção as muitas formas de representação da Virgem, a Theotokos163, e os seus variados usos. No manuseio da documentação, aos poucos foi se delineando uma constante: a presença dessa personagem, que desde os séculos XI, XII e XIII, momentos de intenso fervor mariano, se tornou objeto da atenção de poetas e trovadores, de clérigos e leigos . Já foi dito que o século XII foi o século de Maria, época de intensa exaltação desse modelo singular do feminino que se tornou, indiscutivelmente, um exemplo a ser imitado. Mas para além de um simples modelo de mulher que todas as demais deveriam imitar, ela também serviu como instrumento de evangelização, normalização e de divulgação de uma série de projetos, arrisco a dizer, não só eclesiásticos, mas também legislativos . Keller acredita que essas obras tiveram, entre outras finalidades, um objetivo propagandistíco, para ele “la gente del siglo trece consideraba tal propaganda como piadosa y laudatória, y hasta patriótica.164 O uso do conceito de propaganda, para a Idade Média foi recentemente objeto de estudo de Marina Klein que, amparada em outras pesquisas acerca deste tema, considera adequado aplicar esse conceito ao período medieval. Se levarmos em consideração que o termo implica em tentar transmitir pelas imagens e palavras algum tipo de comunicado, nesse sentido é possível estender tal conceito ao período em questão. Da mesma forma que estamos habituados a pensar sobre outros instrumentos conceituais como exclusivos de períodos mais recentes, também sobre a propaganda na Idade Média ocorre o mesmo . Embora se utilizando de outros recursos e com outros objetivos, na era medieval, também era necessário a propaganda. Tanto no plano político, caso do estudo de Klein165, quanto em outros domínios da história, ainda que esse não seja o objeto de investigação desta pesquisa, é interessante observar que o papel da Virgem como evangelizadora166, ou em outros termos, aquela que veio divulgar, por assim, dizer propagandear a boa nova, se conforma perfeitamente bem com essa interessante visão sobre a propaganda na Idade Média. Assim, é necessário pensar sobre o público alvo dessas propagandas nas obras afonsina e berceana . No caso das Cantigas de Santa Maria, o destinatário foi possivelmente além da corte de Afonso X, uma comunidade um tanto maior, se não o público em geral, pelo menos boa parte de seus súditos, já que as barreiras de idioma nessa região da Europa medieval eram quase inexistentes, sobretudo entre o galego-português e o castelhano. Que as Cantigas, fossem executadas em público não há dúvidas. Isso pode ser observado por aquilo que nos é dito em várias delas, como por exemplo nessa:
Além disso, o rei Afonso X expressou em seu testamento o desejo de que essas Cantigas fossem apresentadas mesmo após sua morte, vejamos o que diz o próprio testamento do rei:
O texto nos sugere, portanto, que os segmentos populares do reino também tiveram acesso às Cantigas, uma vez que nessas festividades o povo participava intensamente. Como se sabe, as celebrações eram públicas, as festas em homenagem à Virgem e ao Cristo aconteciam em lugares tais como as praças e átrios das igrejas onde os comuns poderiam festejar a sua maneira . Em muitas das Cantigas ocorre a referência à participação da comunidade não exatamente na audição ou na encenação dos poemas, mas na celebração dos milagres marianos. Sugerindo dessa forma que os subalternos dessa sociedade podem ter contribuído até mesmo como fontes . Keller169, especialista na obra, indica que poderia ter ocorrido a participação das camadas populares em alguma medida, ou na audição, ou até mesmo na encenação dessas peças, apesar dessas questões ainda não estarem de todo elucidadas, merecendo maiores investigações, o que nos é sugerido por Keller em alguns de seus trabalhos. Seja como for, é interessante pensar até que ponto a obra Afonsina se limitou ao mundo dos letrados ou dele se libertou . No que diz respeito ao presente estudo, o que importa indicar que, de alguma forma, as Cantigas do rei Afonso X alcançaram um espectro um pouco maior do que a sua própria corte, atingindo, em alguma medida, os segmentos populares, tanto no que diz respeito à fonte dos milagres, como na recepção dessas narrativas . As considerações até aqui apontadas se revestem de certa significação para os objetivos propostos por este estudo. Posso afirmar como problema relevante elucidar quem foi, afinal, o público dessa obra, pois isso implica em considerar a 90 acolhida do mito da Virgem e seus prodígios para além dos meios palacianos da corte Afonsina, e nos permite pensar até que ponto teria ocorrido confrontos e contaminações entre a religiosidade dos populares e dos eruditos, e até onde teria chegado as mensagens presentes nos poemas Afonsinos. Sem dúvida, as Cantigas constituíram-se em um dos primeiros produtos de uma política cultural de Afonso X para todo seu reino derivada da legislação presente na Partida Segunda, tit. IX, leis 27-30170, o que mais uma vez nos sugere um público mais amplo para suas Cantigas. Nessa obra poética, uma personagem é sempre presente, a Virgem, nosso elemento invariante. Ela é apresentada em variadas situações, sendo louvada pelo rei em várias delas. Segundo Martinez, o título “Cantigas de Santa Maria”, foi uma criação dos bibliotecários da corte de Felipe II (1527-1598)171que ao proceder às encadernações dos códices, deram à coleção de poemas marianos o nome como ficaram popularmente conhecidos . Para Martínez172, o autor expressa nos seus cantares esse objetivo, tanto nas cantigas de milagres ou nas próprias cantigas de louvor, o que o trovador faz é de fato louvar a sua Dama. Portanto, o título mais apropriado seria Cantigas de Louvor à Santa Maria. Essa intenção da obra se pode observar no prólogo B das Cantigas, quando o rei explicitamente diz do seu desejo de louvar a sua Senhora:
Essa mesma intenção, de louvor se faz presente nos Cantares de Milagres nas quais se pode ler expressamente tal objetivo. É o que está dito na Cantiga 32, quando a Virgem intervém a favor de um clérigo ameaçado por um bispo:
As imagens da Virgem que são apresentadas nas mais de 420 composições ajudam a conferir unidade a essa obra na medida em que sua presença funcionou como o elemento invariante . Esta exaltação à Maria obedece a razões muito diversas. Primeiro, tratar-se-ia não só do resultado de um sistema de crenças cristão, mas da justaposição de uma variada rede de crenças que, combinadas, formataram o cristianismo da Castela do século XIII, como resultado de um processo de reatualização de diferentes formas de fé, a exemplo do que Ginzburg trata por circularidade cultural . Além disso, a própria vontade individual e o propósito bem definido de Afonso X, diretor e inclusive possivelmente autor de parte dessa magnífica coleção de poemas marianos, deram ao conjunto da obra um fio condutor que estabelece a característica fundamental desses poemas comoCantigas de Louvor à Virgem Maria.175 Essa obra, junto com as demais obras afonsinas, dão ao rei algumas das virtudes do herói cristão medieval176. Por um lado, ele se apresenta como um monarca consciente de seu papel enquanto soberano legítimo de um vasto reino que era preciso defender do infiel muçulmano; por outro, Afonso é um sincero e devoto admirador do poder de Deus por sua devoção à Maria.177 Mas, afinal, como a Virgem Maria aparece nessasCantigas que lhe são dedicadas? Duas estratégias foram adotadas pelos autores desses poemas, primeiro exaltam suas virtudes por meio de metáforas e jaculatórias, depois expressam seus traços característicos por suas atuações nos milagres. De fato, as Cantigas apresentam, de forma combinada basicamente, seis substantivos referentes à Santa Maria: Mãe, Virgem, Rainha, Senhora, Santa e Gloriosa. Sem dúvida que, ao longo do texto, outros vocábulos de caráter complementar foram utilizados todos se referindo a suas qualidades, competências e grandezas. Porém, para os objetivos deste trabalho, interessa analisar as expressões aqui apresentadas, tanto por seu caráter simbólico, metafórico e até mesmo estético.178Tarefa que será desenvolvida ao longo desse trabalho, no qual procurarei analisar se o discurso de gênero produzido na sociedade ibérica do século XIII está presente nessas representações de Maria . Os trovadores desses poemas partiram freqüentemente do dogma da maternidade divina de Maria179como uma das formas de exaltação de sua Dama. Esse recurso se demonstrou bastante eficiente na medida que dá à personagem sua dimensão divina. Mas, além dessa peculiaridade, abordaram também sua condição de Virgem de forma muito eficaz . Mesmo assim, exaltaram o poder da Virgem sobre o mundo temporal como a Sennor deste mundo. Aqui é conveniente advertir que essa palavra tem no galegoportuguês os dois gêneros, no caso da exaltação a Nossa Senhora, observo que é uma alusão ao poder que sempre é masculinizado.180Exalta-se a Virgem para alcançar os favores de Deus. Ainda a exaltaram como a mais gloriosa das imperatrizes, um recurso a mais para reforçar esteticamente seus poderes inquestionáveis de Santa, tanto nesse quanto no outro mundo . Assim, como exemplo disso que acabo de afirmar, e sem a pretensão de esgotar todas as invocações a ela realizadas ao longo da obra, apresento, a seguir, como ela é mencionada em alguns dos poemas: - Madre del Rey de los cielos: Madre do Rei (113/4); Madre do Rei Celeste (225); Madre do Rei de uertude (227); Madre do Rei Pïadoso (194); Madre del Poderoso (56/60); Madre do Sennor do Mundo (51/31); Madre del Creador del mundo, Madre de quen o mundo fez (32/5); Madre del justiciero (175/379); Madre del Salvador (16/56); Madr’Espiritual (142/47,76/32); Virgen Beita (305,315,323); Virgen beita sem par (226); Virgen Madre (250,309,313,333); Reynna de piedade (67/54,211); Nobre Reynna (77/16, 350); Sennor poderosa (106,179,355); Sennor de prez (35/11, 73/57); Groriosa (6/70,8/19, 43/50, 106, 201, 218,222.); groriosa sem par (283); Santa Maria (3/4, 79/3,182,212,365,394); Santa Maria, Madre do bom Rey Iesu (362); Santa Maria, Sennor de muy grand’mesura (392).181 Para Maria Isabel Pérez de Tudela y Velasco182, as Cantigas primam pela exaltação da santidade e da piedade que, unidas à virgindade e à castidade, têm sido consideradas por séculos atributos marianos por excelência. Nessa perspectiva, seria interessante discutir em que medida as diferenças de sexo e o discurso de gênero, elaborados pela sociedade medieval, estão ou não presentes na produção dessas representações da Virgem . Como já citei, na Castela do século XIII, a tarefa de exaltação de Maria não foi apenas de Afonso X. Além do monarca, um contemporâneo seu, o clérigo Gonzalo de Berceo, também cantou sua Senhora de forma primorosa . Gonzalo de Berceo e Afonco X são contemporâneos, viveram mais ou menos na mesma época, sendo a produção de Berceo anterior a de Afonso X. O monarca, quando visitou o Monastério de Santo Domingo de Silos em 1255, talvez tenha tido acesso aos Milagros do poeta de Mester de Clerecia183,que, segundo uma hipótese de datação proposta por Keller, já teria morrido há aproximadamente nove ou dez anos. A data da morte do sacerdote/poeta184não é conhecida . Para melhor visualizar o período em que esses dois poetas castelhanos viveram, seria interessante prospectar uma pequena cronologia de suas existência e obra. Analisemos o quadro a seguir:
As obras de Afonso X e Berceo, sobretudo no que diz respeito aos milagres marianos, obedecem a um procedimento que começou a circular por toda a Europa entre o século XI e XII. Na onda de exaltação à Virgem foram reunidos em coleções latinas os supostos milagres da Mãe de Deus . O clérigo e o monarca, embora exaltassem a mesma musa, tiveram procedimentos distintos para fazer a recolha de seus milagres. Ambos basearam-se em fontes escritas, sendo as de Afonso em maior número . Berceo não tinha a seu dispor uma biblioteca como a do rei sábio. Este, segundo os especialistas, se inspirou em apenas uma coleção latina a da Biblioteca de Copenhague já mencionada. A fonte principal de Berceo foi de tradição oral, o que não quer dizer que as Cantigas de Santa Maria não tenham tido também um aporte oral, pois há indícios de que os colaboradores de Afonso X tenham tomado de aqui y de Allá argumentos y detalhes.186 Segundo Solalinde, o clérigo riojano, apesar da qualidade de sua obra, da sua fonte latina, do tema religioso e da métrica precisa e preciosa, não foi um poeta erudito Nota-se no texto do especialista uma distinção rígida entre aquilo que é próprio do erudito e do popular, compreensão da qual não compartilho. O sacerdote teria sido um escritor popular, por querer popularizar as narrativas que conhecia entre seus ouvintes e leitores a quem, sem dúvida, se dirigia. O poeta se dirige ao povo de fala castelhana a quem convida a segui-lo em suas narrativas. Sua linguagem era possivelmente entendida por todos . Também sabemos que Berceo ampliava ou limitava determinadas partes de algumas das histórias que escreveu tanto as com fonte escrita quanto aquelas de fonte oral. Fez isso atendendo o seu próprio senso estético e o gosto de seu público . Em Berceo, Maria é apresentada como intercessora e vencedora, mediadora entre os homens e Deus, entre a humanidade e Cristo; e vencedora ante o poder diabólico, a Virgem sempre vence o mal. Maria intercede junto a Deus em nome de outros santos em alguns de seus poemas tal como ocorre no milagre de número VIII, aqui já mencionado, quando Santiago recorre a Ela para resolver uma disputa com o diabo . De posse das informações até aqui obtidas sobre Berceo e seu Milagros, poderia especular o seguinte: se o poeta escrevia a partir de fontes orais, e se isso era destinado ao povo, podemos supor que Maria como Santiago, seria muito cara ao gosto popular . O poema obedeceria, assim, ao sentimento do povo, fazendo o Apóstolo recorrer àquela que é, para a cultura tradicional, a Mãe espiritual do ocidente cristão, ao mesmo tempo em que divulga a crença nos milagres desse Santo Guerreiro e promove a peregrinação à cidade de Santiago de Compostela. É uma possibilidade de interpretação que corrobora a noção de colaboração entre mitos e a da função de propaganda destas divindades . Essa situação se repete no milagre VII no qual Berceo narra a história de um monge que vivia uma vida tresloucada vindo a morrer em virtude de seus muitos pecados. Então São Pedro solicita ao próprio Cristo que tenha misericórdia da alma daquele sacerdote pecador. Mas Cristo pondera que o tal monge não a merecia. É então que São Pedro recorre à Virgem, vejamos:
Esse poema nos apresenta uma Virgem cercada de outras iguais a ela. A virgindade é uma das características marianas mais marcantes. E em Berceo se torna uma das mais exaltadas virtudes de Maria. É o ideal de feminilidade, numa visão do feminino marcada por um discurso de gênero que se pode observar em vários de seus poemas. Também é um elemento central na narrativa da Vida de Santa Oria. Como sabemos, é desde tempos muito remotos que as mulheres são nomeadas pelo seu corpo, “tener um cuerpo feminino marca y condiciona nuestra entrada en lo social [...].187Além disso o controle dos desejos do corpo foi uma preocupação da Igreja desde a Antigüidade e que se acentuou entre os séculos XII e XIII. A virgindade e a castidade são duas características do bom cristão . A obra de Berceo apresenta essa qualidade cristã de forma muito especial, sobretudo em relação às mulheres. Suas virgens ocupam lugar de destaque em seus poemas e podem ser vistas como exemplos a serem observados por homens e mulheres daquela sociedade . As mulheres foram, desde a Antigüidade, condicionadas pelos seus corpos. No discurso produzido pela sociedade medieval, isso se acentuou. É o que observa Dulce Oliveira Amarante dos Santos. Para essa historiadora, as representações do feminino no imaginário ibérico estão marcadas por imagens corporais, vejamos: “[...] Assim, na investigação das diversas fontes laicas e eclesiásticas estudadas, deparase com o fato que todas apresentam um ponto em comum: o corpo como principal marca da identidade atribuída às mulheres”.188 Como já é de nosso conhecimento, desde a instituição do casamento como sacramento, a Igreja se imiscui na vida privada de homens e mulheres do século . Era somente pelo do casamento que a sexualidade humana poderia se realizar, e ainda assim com a única finalidade da procriação pois o prazer era vedado à sociedade, de uma maneira em geral. Para José Rivair de Macedo, a Igreja sempre foi avessa à possibilidade do prazer: “A moral cristã sempre condenou o prazer físico. Os moralistas procuraram limitar ao extremo a sexualidade. Esta deveria servir exclusivamente para a procriação”.189 Foi como instrumento de divulgação de um ideal de feminilidade cristã que os enunciados de Berceo e Afonso foram analisados nessa pesquisa. Acredito que a vontade de controlar toda a sociedade não foi e não é uma preocupação apenas do clero. Os demais poderes também o pretendem. Dessa forma, a partir da propaganda de um determinado modelo de mulher, o poder temporal e o poder espiritual foram apresentando seu projeto de organização daquela sociedade, que passava por uma organização da vida doméstica e familiar, no qual as mulheres ocupam um indiscutível espaço de atuação . Apesar de só recentemente esses temas terem se tornado objeto de atenção das ciências humanas, nós já sabemos que nas sociedades tradicionais a transmissão da maior parte dos conhecimentos acontecia dentro dos limites da vida privada . As fontes até aqui apontadas nos permitem uma possibilidade de acessar esses domínios da vida de homens e mulheres da sociedade medieval, os espaços da vida doméstica, onde “desempeña um papel protagonista la mujer: la casa, el mercado, la fuente, los baños, el molino o la alcoba”190, foram lugares de organização da vida social e, assim, de centros de produção e circulação de discursos generificados . Esses poemas nos permitem observar uma forma de representação das mulheres que era comum na sociedade medieval tanto no mundo hermético dos homens da Igreja quanto na existência mundana dos trovadores e jograis da Castela do século XIII . Rucquoi já nos advertiu dos cuidados que temos que ter com esse tipo de fonte, posto que são documentos nos quais nem o teólogo nem o laico concederam à mulher algum tipo de protagonismo. Entretanto, no caso das fontes aqui analisadas, o texto literário, ainda que com visíveis intenções propagandísticas, poderá nos permitir observar as formas de produção das representações do feminino, e em alguma medida, especular acerca do seu possível público e acolhimento . O texto literário conota-se de importante valor, porquanto a literatura, como arte, explica, analisa, localiza e auxilia o objeto de estudo cientifico. Ou seja, pela literatura, mesmo ficcional, pode-se chegar a algumas explicações . Com exceção da representação da Virgem na Batalha de Covadonga, e nas imagens que protegiam as tropas cristãs nas expedições contra os mouros, dimensões da vida pública, em que Maria parece representar a própria Igreja. A Santa é sempre uma Sennor, que privadamente, utilizando-se de artimanhas próprias do feminino, consegue convencer o seuSennor da justeza em defender este ou aquele vassalo de algum mal qualquer. As diferenças que, às vezes o mito pode apresentar, respeitam à necessidades reais. O mito é sempre atualizado de acordo com sua relação com o desenrolar dos acontecimentos históricos, pois, como já foi citado anteriormente, o mito está relacionado com sua própria historicidade sem a qual ele não teria sentido . Assim sendo, Maria foi também apresentada como uma entre outras representações de mulher na Idade Média que serviram como instrumentos pedagógicos para um projeto de sociedade que havia definido os papéis de homens e mulheres, embora muitas vezes esses papéis possam não ter tido amparo no real ou acolhimento social.
NOTAS
100 CASTRO, Américo. España en su historia. Cristianos, moros y judios. Barcelona: Crítica, 2001,p. 95. 101 Sobre a controvérsia entre mythos e logos e a tradição cristã, consultar entre outros os seguintes trabalhos: POHL, Walter. Aux origines d’une Europe etnique.Transformations d’identités entre Antiquité et Moyen Age. Annales. Histoire, Sciences sociales. Paris, 60 année, n. 1 janvier-février 2005; GINZBURG, Carlo. Olhos de Madeira. Nove reflexões sobre a distância. São Paulo: Cia. Das Letras, 2001; LIMA apudSCHÜLER, Donaldo; GOETTEMS, Miriam Barcelos. Mito: ontem e hoje. Porto Alegre: UFRGS, 1990; SCHMITT, Jean Claude, 1990, p. 41-57; FRANCO JR, 1996. 102 SCHMITT apud SCHÜLER; GOETTEMS, 1990. 103 Sobre mito e história ver FRANCO JR. 1996, p. 47; GINZBURG, 2001. 104 Ibid.,1996, p. 47. 105 BLOCH, 1987, p. 100. 106 Em relação às trocas culturais, consultar: GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes. O Cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Cia. Das Letras, 1987; BAKHTIN, Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. O Contexto de François Rabelais. São Paulo/Brasília: Hucitec e Universidade de Brasília, 1999. 107 SCHMITT apud SCHÜLER, 1990, p. 53. 108 Em relação ao tema do discurso como objeto de análise, ver entre outros: FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 1996; ORLANDI, Eni P. Análise do Discurso. Princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2003; FIORI, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso.São Paulo: Contexto, 1999. 109 ORLANDI, 2003, p. 15. 110 Para Américo Castro, o culto a Santiago cumpriu uma função unificadora da cristandade em território ibérico. 111 Crença herética que a Igreja primitiva teve de combater. Segundo os ensinamentos do sacerdote Ario (256-336), Jesus não era da mesma substância que o Pai. Sobre esse tema consultar: CASTRO, 2001, p. 114. 112 Para essa questão, isto é, as especificidades dos ritos romanos e visigodos consultar: DIAZ y DIAZ, Manuel. La literatura de viajes em el siglo XII Compostellanum. Barcelona: El Albir Univeral. 1999. 113 De sepharadim, hebraico, do país de Sefarad, mencionado pelo profeta Abdias. Sobre isso consultar: RUCQUOI, Adeline.História Medieval da Península Ibérica. Lisboa: Estampa, 1995, p. 105; LOYN, 1997, p. 224. 114 Sobre os judeus na Península Ibérica consultar: CAMPOS, Rita de Cássia Boeira. O próximo como o “outro”: Cristianismo e Judaísmos na Corte Imperial (Portugal, Séculos XV). Porto Alegre: UFRGS, 2005. (Dissertação de Mestrado). 115 Sobre esse confronto entre religiões ver, entre outros, CASTRO op. cit., 2001. 116 POHL, 2005, p. 186. 117 BARKAI, Ron. Cristianos y musulmanos en la Esapaña Medieval (El enemigo em el espejo). Madrid: Encuentro, 1991, p. 19-53. 118 BAKHTIN, 1999, p. 27. 119 CASTRO, 2001, p. 104-180. 120 Sobre esse tema consultar: LÉVI-STRAUSS, Claude. Mito e significado. Lisboa: Edições 70, 1978. 121 Sobre o mito de Santiago consultar entre outros: SINGUL, Francisco. O Caminho de Santiago. A Peregrinação Ocidental na Idade Média. Rio de Janeiro: UERJ, 1999; FRANCO JR. Hilário. Peregrinos, monges e guerreiros.Feudo clericalismo e religiosidade em Castela Medieval. São Paulo: HUCITEC,1990; RUCQUOI, Adeline. (Org.). Saint Jacques et la France. Actes du Colloque, de 18 et 19 janvier 2001 à la Fondation Singer-Polignac. Paris: Les Éditions Du CERF,2003. 22 Consulta feita, também, aos seguintes sites: Disponível em: <http://www.webislam.com>. Acesso em: 29 jul. 2002; Disponível em: <http://www.nurelislam.galeon.com/maria>. Acesso em: 29 jul. 2002. 123 BERCEO, 1944. 124 LÉVI-STRAUSS, Claude. O olhar distanciado. Lisboa: Edições 70, 1983. 125 Cabe lembrar que o culto às divindades femininas perdurou por muito tempo em território europeu, e na Península Ibérica não foi diferente, a Virgem Maria é ainda hoje uma personagem que ocupa um lugar muito especial na religiosidade popular em todo território peninsular. 126 Sobre a questão da metáfora da Igreja como a representação de Maria consultar: entre outros: FRANCO JR., 1996, p. 58; CAMPOS, 2005. 127 Ver entre outros: Ibid.,p. 45-67 e 137-158; PELIKAN, Jaroslav. Maria através dos séculos.Seu papel na história da cultura. São Paulo: Companhia das Letras, 2000; CAMPOS, 2005, p. 136. 128 Sobre essa questão consultar: ALBERT, Jean Pierre; LLORCA, Marlene. Mahomet, la Vierge et la frontière. Annales. Histoire, Scienes Sociales. Paris, 50 année, n. 4, jul./ago.,1995, p. 855-866. 129 ALBERT LLORCA, 1995, p. 855-886. 130 Sobre isso consultar entre outros: BARNAY, 1999. 131 Cf. FRANCO JR., 1990. 132 Sobre esse complexo tema consultar entre outros: ZIMMERMANN apud BERLIOZ, 1994, p. 115-130; PINKUS. Lucio.O mito de Maria. Uma abordagem simbólica. São Paulo: Paulinas, 1991;CASTRO, Bernardo M. de. Sexo, Diabo e Loucura nas Cantigas de Santa Maria. Belo Horizonte: PUCMG, 1996 (Dissertação de Mestrado. 133 BARNAY, 1999, p. 62. 134 Falar em regiões unificadas e com identidades nacionais já forjadas é, para o período medieval, tema controvertido. Sobre esse tema consultar BARKAI, 1991. Nessa obra o autor buscar refletir sobre essa polêmica questão. 135 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa: DIFEL,1989, p. 107-132. 136 POHL, 2005, p. 184. 137 Sobre isso consultar: RUCQUOI, 1995, p. 133. 138 Sobre a importância simbólica das grutas, cavernas e covas, ver: BRANDÃO, Junito. Mitologia Grega.Petrópolis: Vozes, 1988, 3 v, p. 54; ZIMMERMANN apud BOYER, Marie France. Culto e imagem da Virgem.São Paulo: Cosac e Naif Edições, 2000; BERLIOZ, 1994, p. 115-130. 139 Sobre esse tema consultar: CAMPOS, 2005. 140 SCHMITT apud SCHÜLER, 1990, p. 50 141 Sobre esse personagem existe alguma controvérsia. Por vezes ele visto como uma pessoa real por vezes visto como uma figura imaginária. Segundo Rucquoi, entre 718 e 722, teria ocorrido uma batalha liderada por Pelágio e nela teria ocorrido uma primeira derrota dos muçulmanos. Algumas crônicas estabelecem uma relação entre o rei visigodo Vitiza e Pelágio, que parece ter sido eleito rei antes da batalha de Covadonga de 722, portanto a batalha era devida a um rei legítimo. Pelágio teria então organizado sua corte em Cangas de Onis e nesse lugar governado até sua morte, em 737 (RUCQUOI, 1995). Consultar também Ballesteros que praticamente aborda essa questão sob quase todos os ângulos possíveis, apresentando as mais diferentes interpretações elaboradas até então: BALLESTEROS Y BERETTA, 1920. Ver ainda QUESADA, Miguel Ladero. La formación medieval de España. Territorios, Regiones. Reinos. Madrid: Alianza, 2004. Ver também o site: Disponível em: <www.cervantesvirtual.com>. Acesso em: maio 2006. 142 Sobre as relações das populações do norte da Península com os recém chegados do sul, ver: ARTOLA, Miguel (Org). CORTÁZAR, José Angel García. Historia de España. La época medieval. Madrid: Alianza, 2004. v. 2, p. 118-120. 143 POHL, 2005, p. 186. 144 PIDAL, Ramón Menedez. Primera Cronica general de España. Que mandó componer Alfonso El Sabio y se continuaba bajo Sancho IV en 1289. Madrid: Gredos, 1955, p. 322-323. 145 Essa influência da Europa cristã sob a Espanha medieval vem, também, do Mosteiro de Cluny que teve um papel fundamental no projeto de evangelização das terras peninsulares. Sobre isso: Cf. CASTRO, 2001. 146 BALLESTEROS Y BERETTA, 1920, p. 176. 147 MACEDO, José Rivair. A luva e o bastão: considerações a propósito da idéia de traição na Chanson de Roland. Ciências e Letras, Porto Alegre, n. 25, 1999, p. 89-109. 148 PIDAL, 1955, p. 323. 149 Sobre o conceito do invariante, consultar. LÉVI-STRAUSS, 1978, p. 20-24. 150 BALLETEROS Y BARETTA, 1990, p. 177. 151 BARKAI, 1991, p. 45. 152 Sobre a questão do simbolismo medieval, ver: LE GOFF, 1993, p. 325-385; FRANCO JÚNIOR, 1990. 153 BERCEO, LVSO, 5, 94. 154 Sabemos das grandes discussões sobre as especificidades da história ibérica envolvendo os trabalhos pioneiros de Don Cláudio Sanches-Albornoz e Américo Castro, bem como os interesses do exacerbado nacionalismo espanhol desde os anos 30. Entretanto, acredito não ter como desconhecer que, pelo sim ou pelo não, a dominação moura acarretou, ao menos, um ritmo próprio ao desenvolvimento dessa região, deixando traços dessa presença até os dias atuais. 155 Essas fontes cruzadas com outras do mesmo período nos permitem vislumbrar alguns aspectos dessa sociedade que tem com a Virgem Maria uma ligação muito especial, inclusive nos dias de hoje. 156 Uma definição de Menéndez Pelayo. Cf. METTMANN, 1986. 157 FILGUEIRA VALVERDE, 1985. 158 Sobre Berceo, consultar: PIDAL, Gonzalo Menéndez. Milagros de Nuestra Señora. Zaragoza:Ebro, 1941; SOLALINDE, Antonio (ed) BERCEO, Gonzalo, 1944; AZORÍN. Al margen de los clásicos.Madrid: [s/e], 1915; KELLER, 1987; RUIZ apud MUÑOZ FERNÁNDEZ, 1990, p. 47-59. 159 Sobre a obra de Berceo consultar entre outros: Seleção, estudo e notas de Gonzalo Menéndez Pidal. BERCEO, 1941. Las narraciones breves piadosas versificadas en el castellano y gallego del medievo. KELLER, 1987. 160 DUTTON, Brian. Obras completas. Estudo e edição crítica por Brian Dutton. London: Tamesis Books, 1981. v. 5. 161 BRAUDEL, 1990, p. 7-39. 162 LÉVI-STRAUSS, 1978, p. 20. 163 Ver: PINKUS, 1991. 164 Sobre o uso propagandistíco de certas obras literárias consultar entre outros: KELLER, 1987, p. 59; FRANCO JR., 1990, p. 125-129. 165 KLEIN, Marina. El Rey que es fremosura de Espanna: imagens do poder real na obra de Afonso X, o Sábio (1221-1284). Porto Alegre: UFRGS, 2005 (Dissertação de Mestrado. 166 Sobre a história da Igreja e os evangelista consultar entre outros: Baumgartner, 2001. 167 CSM, 28, I, p. 83-87. 168 BALLESTEROS Y BERETTA, Antonio. (ed) Alfonso X El Sábio. Barcelona: El Albir, 1984, p. 1053; Testamento de Afonso X de 10 de janeiro de 1284 (ed) SOLALINDE, 1980. Alfonso X, el Sabio, Cantiga de Santa María.Introducción, versión castellana y comentarios de: FILGUEIRA VALVERDE, 1985, p. 58. O grifo é meu. 169 Sobre isso ver: KELLER apud KLEIN, 2005, p. 2-4; KELLER, 1987, p. 135-214. 170 Ver: MONTOYA MARTÍNEZ, Jesús. Composición, estructura y contenido del cancionero marial de Alfonso X Murcia: Real Academia Alfonso X el Sabio, 1999, p. 12. 171 Este monarca foi rei de Portugal e Espanha, como Felipe I (1580-1598) e rei da Espanha como Felipe II (1556-1598), conhecido como Rei Prudente, nasceu em 21/05/1527 e morreu em 13/09/1598. 172 MONTOYA MARTÍNEZ, 1991, p. 32. 173 CSM, Prólogo B, I, p. 2. 174 CSM, 32, I, p. 95. 175 O debate sobre a autoria das CSM pode ser observado em: PÉREZ DE TUDELA Y VELASCO, Maria Isabel. La Imagen de la Virgen María em las Cantigas de Alfonso X. En la España medieval,Madrid: Complutense, n. 15, 1992, p, 297-320; METTMANN, Walter. Algunas observaciones sobre la gênesis de la coleción de las Cantigas de Santa María y sobre el problema del autor. MARTÍNEZ, 1999. 176 BARKAI, 1991, p. 45. 177 PÉREZ DE TUDELA Y VELASCO, 1992, p, 297-320 178 PÉREZ DE TUDELA Y VELASCO, 1992, p. 298-300. 179 Cf. Ibid.: Desde o Concílio XI de Toledo a igreja espanhola admitiu o dogma da maternidade divina sem resistências dignas de menção. O símbolo desse concílio afirma: “Cristo [...]. El cual en cuanto es Dios creó a María y em cuanto Hombre fues creado por María; y El mismo es Padre de Maria Madre e hija”. 180 Sobre o gênero da palavra sennor no galego-português consultar: LEÃO, Ângela Vaz. As Cantigas de Santa Maria. Extensão. Cadernos da Pró-Reitoria de Extensão da PUC-Minas. Belo Horizonte, 7 v., n. 23, p.1-72, ago, 1997. 181 Para realizar esse levantamento, foi utilizado o já citado artigo de Pérez de Tudela y Velasco, bem como um mapeamento das Cantigas, que além de referenciar à Maria, possuem em suas narrativas a presença de mulheres e crianças. Esse esquadrinhamento da obra, se fez acompanhar também de uma análise preliminar das respectivas miniaturas, que foram utilizadas na presente pesquisa, apenas, para ilustrar as narrativas analisadas, pois que do contrário, demandariam um outro tipo de abordagem que nesse caso resultariam em um outro trabalho. 182 PÉREZ DE TUDELA Y VELASCO, 1992, p. 320. 183 Sobre o mester de clerecia foi utilizado o texto de Pidal, 1941. 184 Cf. KELLER, 1987; PIDAL, 1941; DUTTON, 1981. 185 Conforme já mencionado na introdução, pouco se conhece sobre a vida de Berceo e, sobre as datas de seu nascimento e morte existem várias hipóteses, a indicação aqui feita se baseia em datas aproximadas, para tal foi consultado o texto de SOLALINDE, 1980, 1 v. FRAZÃO apud Biblioteca Gonzalo de Berceo. Disponível em: <https://www.vallenajerilla.com/berceo/dutton/biografiaberceo>. Acesso em: jan. 2006 186 SOLALINDE, 1944, p. 19. 187 RIVERA GARRETAS, apud DUBY; PERROT, 1992, p. 606. 188 SANTOS, Dulce Oliveira Amarante dos. O Corpo dos Pecados: As Representações Femininas nos Reinos Ibéricos (1250-1350). O Saber na Idade Média: Textos e História. Revista do Programa de Pós-Graduação em História, Brasília, v. 9, n. 1/2, 2001, p. 13-30. 189 MACEDO, José Rivair. A Mulher na Idade Média. São Paulo: Contexto, 1999, p. 20. 190 RUCQUOI, Adeline. La mujer medieval. Cuadernos historia 16, Madrid, n. 262, p. 6, 1985. TEXTO COMPLETO DE LA TESIS EN http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=347 | ||||||||||||||||||
| ||||||||||||||||||
|